Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 29 de janeiro de 2011
2466) A banda de um homem só (29.1.2011)
Já devo ter falado aqui sobre o saite UbuWeb, que se auto-denomina, com bom humor, “o YouTube da vanguarda”. É exatamente isto: um enorme arquivo de sons e imagens, mas ao invés de cenas do BBB-11 e de clips de Cláudia Leitte o saite oferece entrevistas com William Burroughs, documentários sobre Picasso e Man Ray, curtas underground dos anos 1950.
Ou, no presente caso, o documentário The One Man Band, sobre os projetos inacabados de Orson Welles.
As últimas décadas na vida de Welles foram um triste anticlímax para o sujeito que dirigiu Cidadão Kane, várias vezes eleito como o maior filme da história do cinema. Depois de brigar com Hollywood, Welles se refugiou na Europa (com a qual, vamos e venhamos, tem muito mais a ver), onde realizou alguns filmes magníficos, mas ao mesmo tempo teve uma sucessão de naufrágios em projetos que poderiam ter resultado (quem pode afirmar que não?) em obras tão notáveis quanto O Processo ou Falstaff.
O documentário (ver aqui: http://www.ubu.com/film/welles_oneman.html) acompanha alguns desses naufrágios, e foi co-dirigido por Oja Kodar, a longilínea e misteriosa companheira de Welles no final da vida, aquela mesma que aparece com destaque em F for Fake (“Verdades e mentiras de Orson Welles”), seu último grande filme.
Ela abre a casa onde viveram, e mostra, além de um quarto atulhado de latas de filme 35mm, os “cases” que Welles levava em suas viagens. Para onde fosse, ele levava consigo uma moviola portátil para editar filme 16mm, câmara, etc. Financiava seus projetos pessoais cobrando cachês extorsivos para trabalhar de ator em qualquer filme vagabundo. Pagavam-lhe, porque seu nome no cartaz abria muitas portas. Com o dinheiro, e com a amizade de incontáveis atores e técnicos, ele ia filmando e montando devagarinho os quebra-cabeças que resultavam em filme como Macbeth ou Otelo.
Entre os projetos inacabados está The Other Side of the Wind, que tinha como atores John Huston e Peter Bogdanovich, além de Oja Kodar (que aparece numa impressionante cena de sexo com um rapaz, na boléia de uma camionete, numa estrada, à noite, enquanto o motorista ao lado dirige como se nada estivesse acontecendo).
Outro projeto foi The Deep, uma história de suspense e violência filmada em alto-mar, que se inviabilizou após a morte do ator Laurence Harvey.
The Dreamers foi uma tentativa de adaptar um conto de Isak Dinesen (Karen Blixen), a escritora dinamarquesa que Welles admirava muito.
Além desses, o documentário mostra pequenos esquetes cômicos. Welles como um desconcertado cliente de dois alfaiates ingleses metidos a engraçadinhos; Welles de jornalista entrevistando Welles de nobre britânico falido; Welles como banda-de-um-homem-só tocando na rua e sendo assistido por ele mesmo em diferentes trajes (inclusive de mulher). É um material inédito e fascinante, do tipo que a UbuWeb, o YouTube da vanguarda, tem aos milhares.
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