Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 9 de janeiro de 2011
2449) O nosso pecado original (9.1.2011)
Pecado original é um pecado que remonta à nossa origem, não à nossa pessoa. Um pecado que não cometemos, mas que foi cometido por quem nos trouxe ao mundo, e que de certo modo nos influencia. Quando um indivíduo toma consciência desse pecado, que não dependeu de uma decisão ou de uma opção sua, sente uma culpa que o habita mas não lhe pertence, e que por isso mesmo lhe parece impossível de expiar.
A corrupção, em suas mil formas, está entranhada em nossa vida política, empresarial, econômica. Onde quer que exista muito dinheiro (e, de maneira perversa, onde exista dinheiro público) a corrupção surge. Seria um exagero, e, mais que isto, um absurdo, dizer que todo mundo rouba, ou que a maioria das pessoas rouba. Mas as facilidades para roubar são tão variadas que a muita gente é possível roubar de pouquinho em pouquinho durante muito tempo, ou roubar carradas de grana de uma vez só, sabendo que provavelmente vai ficar tudo por isso mesmo. E até os que não roubam acabam fazendo vista grossa, seja por medo de perder o emprego, medo de represálias, amizade ou obediência devida aos roubantes, ou a mera indiferença que leva tantos, inclusive os honestos, a dar de ombros e dizer: “Deixa pra lá... Todo mundo faz...”
Essas gigantescas quantidades de dinheiro roubado (Brasil Colônia, Brasil Império, Brasil República, Brasil de hoje) são uma argamassa que ajudou a consolidar nossa nação, porque grande parte do dinheiro roubado acaba, bem ou mal, sendo investido honestamente no comércio, no lazer, nos serviços em geral, nos imóveis, ou em poupanças e investimentos que vão financiar forças produtivas que nada têm a ver com o roubo. Famílias inteiras de gente honesta cresceram à sombra de um roubo antepassado. Roubou-se muito no Brasil, e decerto muito ainda se roubará, porque não se cura uma endemia com um estalo de dedos. E quando olhamos em volta (tantos prédios, tantos carros, tantas lojas, tantos negócios) somos forçados a reconhecer que se o dinheiro sujo do Passado fosse evaporado com uma varinha mágica, levaria consigo, para o Nada, uma quantidade vertiginosa de coisas.
A corrupção é um pecado original meu, seu, de todos nós. Mesmo não roubando acabamos, por vias transversas, nos beneficiando de coisas geradas com o produto do roubo (comércio, indústria, serviços, lazer). Não há batismo que nos purifique por inteiro. Talvez tenhamos que tratar a corrupção como outros pecados originais nossos (a escravidão, o latifúndio, os massacres étnicos) e tirar dela algo de positivo. O dinheiro pode ter origem suja, mas ainda assim pode ser reaplicado, num estado de limpeza provisória, na corrente econômica. Talvez a função de ser honesto, hoje, seja essa: lavar o dinheiro sujo que nos chega às mãos. Purificá-lo, geração após geração, até que talvez um dia sua origem maldita se dilua. E possamos acreditar que um mal possa produzir, por linhas tortas, algum tipo de bem.
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