Escutar o cabelo crescendo de novo.
Anotar o momento em que o número de folhas na árvore da casa em frente for igual ao número de caracteres do artigo que estou escrevendo.
Fotografar simultaneamente trinta chaminés na perpendicular.
Levar uma bolha de sabão de João Pessoa até Campina.
Aprender a chover e a colorir na primeira pessoa.
Fazer a difícil opção entre envelhecer e virar vampiro.
Desvendar um mistério, descantar uma música, desescrever um livro.
Visitar em sequência sete cidades cujas iniciais são as letras do meu nome.
Lembrar tudo que aconteceu em volta quando eu estava dormindo.
Descobrir uma galáxia nova e guardá-la só para mim.
Falar de corda em casa de enforcador.
Desenhar um teclado numa cartolina e botar o povo pra dançar uma noite inteira.
Fazer um gol de pênalti de cabeça.
Criar uma espécie de partitura para som de pneu de carro.
Passar vergonha na cara e esperar que seque.
Ensinar um macaco a ler, um peixe a escrever, um teimoso a pensar.
Fazer faxina nos advérbios e desempacotar preposições que ainda não foram usadas.
Monitorar o espelho à espera do terrível sinal.
Conseguir plagiar tão bem que o plagiado elogie minha originalidade.
Ler sem ouvir minha voz repetindo baixinho o que é lido.
Aprender a tocar cavaquinho, pandeiro e tantã – ao mesmo tempo.
Atravessar uma rua do outro lado para o outro lado.
Fazer uma cirurgia telepática para tirar a catarata do meu terceiro olho.
Trancar a gaveta e jogar a chave dentro.
Escrever como se a linha fosse uma corda-bamba solta no ar.
Assistir um filme no Capitólio, outro no Babilônia, outro no Avenida e outro no São José.
Inventar um sacarrolhas reto.
Arrumar o primeiro, o segundo, o terceiro, e deixar para arrumar o quarto no ano que vem.
Carambolar o ricochete quântico de duas ondas sem colapsar os cordéis de ambas em incontáveis quarks supérfluos.
Amar sem orgulho e odiar sem preconceito.
Criar um banco randômico de sílabas e um programa anti-entrópico que as faça formar frases ao longo dos dias.
Misturar três vinhos numa taça e identificar cada gole.
Tentar não esconder meus descuidos por trás dos meus excessos de cuidados.
Fazer uma correntinha de clips unindo Brasília e Praga.
Adotar um mineral de estimação e cuidar dele todos os dias.
Autografar mil pedaços de papel para vendê-los quando ficar rico e famoso.
Abrir livros no escuro até encontrar um que tenha luz própria.
Respirar fundo e deslizar tobogã acima.
Trocar meia dúzia de realidades fabricadas por uma ilusão verdadeira.
Conseguir ler um jornal sem ficar procurando meu nome.
Poder guardar na minha sala de visita todas as minhas cabeças de gado, todas as minhas sesmarias, todos os meus canaviais.
Me preparar para o restante deste século com o auxílio de um dicionário chinês-árabe, árabe-chinês.
Escrever alguma coisa que possa relida em 2110.
Marcar um encontro em Samarra e não comparecer.
Interessante o seu texto, lembro de outro que você já escreveu nesse estilo, o "Modos de ser Brasileiro".
ResponderExcluirO que me faz gostar dos textos é perceber que mesmo sendo escrito apenas com o verbo no infinitivo - portanto, temos a não-presença de um sujeito nas orações - há um eu que se enuncia.