Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 24 de outubro de 2010
2382) A arte de se defender (24.10.2010)
Nos anos 1990 fui um grande fã do time de basquete do Chicago Bulls. Vivia ligado na TV a cabo assistindo os jogos da NBA, na época em que Phil Jackson era o técnico e Michael Jordan era o craque do time, ladeado por Scottie Pippen e outros. Era um timaço capaz de deslumbrar até um leigo como eu, que não percebo as sutilezas do jogo. A questão é que Jordan fazia coisas que contrariavam as leis da gravidade e do movimento, coisas que fariam até um marciano coçar a cabeça, incrédulo, e rasgar seu livro-texto de Física. O Bulls era um time com a volúpia de atacar – e uma incapacidade genética de se defender. Ganhava jogos por 110x100, ou por 130x120, o que equivale a ganhar no futebol por 4x3 ou 5x4. E houve uma época em que, escaldada por derrotas surpreendentes e dolorosas, a torcida do Bulls (cuja euforia e orgulho vejo hoje reproduzidos na torcida do Barcelona), quando via o time perder a bola, começava um coro ensurdecedor: “Defence! Defence!”. Já imaginaram o Nou Camp inteiro gritando: “Defesa! Defesa!”?
Temos a tendência de considerar que no esporte o belo é atacar, e que é feio defender-se. Por que? Talvez porque o torcedor não-apaixonado está mais interessado em ver um grande jogo, e não na vitória de A ou B. Para ver um grande jogo, é preciso que os dois times ataquem muito. E afinal de contas a palavra “goal” significa “objetivo” em inglês. O jogo existe para que gols aconteçam. Evitar os gols do adversário deve ser encarado sempre como uma segunda prioridade, não como a principal.
E, de um modo geral, para atacar é preciso um mínimo de talento e de tática, e para defender-se, aparentemente, não. Conduzir a bola até a área e acertar o gol requer habilidade individual e coletiva, inclusive para evitar que os defensores interrompam a jogada. Quanto a estes, basta-lhes interromper a jogada e sua função já foi cumprida. Devem existir umas 100 maneiras de fazer um gol, e umas 100 mil de evitá-lo. Prensar a bola, dar um bico pro lado, empurrar para a lateral, jogar para escanteio, chutar pro alto... Qualquer coisa que o zagueiro-zagueiro faça chama-se missão cumprida. Não precisa técnica nem muito talento. Aparentemente.
Há, contudo, quem faça da defesa uma arte. O futebol italiano é quase todo assim. Vi numa revista inglesa uma bela descrição de como as seleções italianas costumam se comportar numa Copa: “Atacadas, elas se retraem como uma mola de metal, e, ao retomar a bola, atiram-se para diante como o bote de uma serpente”. É mais ou menos como jogava o Inter de Milão do técnico José Mourinho, recente campeão europeu, eliminando inclusive o melhor time do mundo, o Barcelona. Em vez do chutão pra cima, uma ocupação sistemática do campo por um semicírculo de jogadores cercando a bola onde ela vá, prontos para tomá-la e desfechar o contra-ataque. Para muitos um futebol feio. Para os gurmês, um raro exemplo de defesa elevada à categoria de grande arte e de refinada estratégia.