Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 13 de novembro de 2010
2400) A palavra forma (13.11.2010)
(foto: Irving Penn)
Alguém duvida que seja esta uma das palavras mais importantes do idioma? É um dos conceitos abstratos mais pervasivos e onipresentes, porque tudo tem forma, tudo que existe existe através de algum tipo de manifestação física ou mental, e essa manifestação tem forma sob algum aspecto. Deus, por exemplo, este amplíssimo conceito que engole todos os demais. A forma de Deus é a totalidade, daí a “boutade” do surrealista Naville, que o chamou “O Grande Imóvel” (pois se Deus é tudo não pode mover-se para outro espaço, pois isto subentenderia que é um espaço além dele próprio). A forma de Deus coincide com a forma do Todo que somos capazes de imaginar, seja ele espiritual, seja ele físico (o Universo, ou o cacho-de-bolhas de todos os Universos físicos possíveis).
Não devemos confundir forma com a palavra fôrma, mesmo que o acento diferencial tenha caído. Uma fôrma é um molde que produz uma forma mas é criado por ela – só se constrói uma fôrma para perpetuar uma forma que, com o uso, se consagrou, e precisa ser mantida e multiplicada. A fôrma é consequência da forma. O mesmo pode se dizer da fórmula, que não passa de uma “fôrma” abstrata, um conjunto de sinais matemáticos ou químicos, que em princípio tem como função produzir o mesmo resultado quando aplicada.
O interessante é que o mesmo conceito se usa em latim como “form-” e em grego como “morph-”, numa inversão sonora cuja nomenclatura e razão de ser deixo aos gramáticos. Mas a consequência desse fato é que a ciência das formas é a morfologia, e a mudança de forma é uma metamorfose.
A palavra ocorre também no uso dos termos formal/informal quando nos referimos ao modo de se comportar ou de se vestir. Quando um jantar ou um traje são formais, isto significa uma expectativa de que correspondam a uma determinada forma, ou maneira de ser. Quando não, tornam-se aquilo que na linguagem informal chamamos de “alavontê”, não há forma prevista, cada um faz como lhe der na telha. Outra derivação muito popular é “formosa”: que tem belas formas.
Uma expressão interessante e muito em uso é “na forma da lei”, ou seja, “exatamente como a lei determina”. Todos sabemos que a lei tem forma (também chamada de “a letra da lei”) e tem espírito, tanto é assim que muitas vezes dizemos que determinado juiz agiu mais de acordo com o espírito da lei do que com a sua forma. Ou seja, o juiz foi capaz de entender em profundidade a intenção de quem criou aquela lei, e de perceber que a formulação por escrito dessa intenção apresentava uma falha, ou uma ambiguidade, ou uma incompletude; e que para ser fiel à ideia seria preciso ir além do texto escrito, mesmo que aparentemente contradizendo-o. Num caso assim, talvez fosse linguisticamente correto dizer que o juiz agiu de acordo com a “forma” da lei (sua intenção original, o pensamento que lhe deu origem) e não com sua “fôrma” (o instrumento concebido para aplicar aquela intenção).
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