Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
2378) “Modesty Blaise” (20.10.2010)
Conversando estes dias a respeito de adaptações de quadrinhos para o cinema, me veio à lembrança este filme de Joseph Losey que vi por volta dos 16 anos, e que é baseado numa HQ britânica. Na época, o filme me pareceu a encarnação da Modernidade. Cenas extravagantes e meio surrealistas, narrativa rápida, entrecortada, descontínua (o que para mim, na época, era sinônimo de genialidade). Eu tenho uma, hmmm, cópia para colecionadores; botei no DVD e assisti. David Thomson comenta que o filme é “divertido, mas desnecessário”, e que significava “uma ruptura de Losey com a seriedade, mas sem demonstrar senso de humor”. É isso mesmo.
Modesty é uma espécie de espiã informal que o governo britânico usa como despiste para evitar o roubo de uma valiosa coleção de diamantes. Como é de se esperar, a ação pula de Londres para Amsterdam, daí para a África árabe, de lá para ilhas tropicais... Peripécias se sucedem, sem a necessidade de explicações ou de encadeamento lógico. Como numa HQ despretensiosa (e como em qualquer filme em que o sensorial se sobreponha ao intelecto), as paisagens e as situações surgem pelo seu potencial de ação ou de imagem, e pouco importa se a narrativa as pede; mas são dirigidas por um cineasta mais propenso à reflexão do que à ação. Há cenas divertidas: um agente apertando a campainha de uma casa com a ponta do guarda-chuva, e a casa explodindo; o gangster-dândi (Dirk Bogarde) tendo que escolher entre duas lagostas para o almoço e queixando-se: “Decisões! Decisões! Quero as duas”; Modesty trocando de roupa, exibindo um escorpião tatuado na coxa, e dizendo: “Tenho um ferrão na cauda”; o gangster bebendo um drinque enorme onde nada um peixinho dourado; no final, amarrado ao chão do deserto, ele implora: “Champanhe... champanhe...” São algumas das cenas marcantes, e as únicas que eu lembrava.
Modesty Blaise é uma tentativa de fazer um cinema pop britânico, algo que a série James Bond estava conseguindo com sucesso. Mônica Vitti, a estrela de Antonioni, é um dos charmes do filme, com aquela sua boquinha “vem cá”. O ano de 1966 foi a era da “Swinging London”, quando a capital inglesa, com Beatles e Rolling Stones à frente, era a Meca do pop. Modesty compartilha o espírito descontraído, ilógico e “banda vuô” de filmes como Help de Richard Lester. Também tem algo de Blow Up, que Antonioni estava rodando em Londres, ao mesmo tempo. É curioso que os filmes de Losey e Antonioni compartilhem dois detalhes que chamam a atenção: um plano de detalhe de uma mão fazendo prestidigitação (em Modesty com uma bolinha, em Blow Up com uma moeda), e um mímico com rosto pintado de branco, que aparece com destaque em Modesty e, em grupo, em algumas cenas cruciais do filme de Antonioni. Prestidigitação e teatro são duas palavras chave para o entendimento da angustiada fábula existencialista de Antonioni, e da divertida e inconsequente HQ animada de Losey.
Enquanto lia suas enumerações de cenas e trechos do Modesty Blaise, no terceiro e último parágrafo, me veio a expressão "trailer emotivo"; imagens sequenciais captadas pela memória límbica, relacionada a emoção, que me fizeram resgatar a dupla dinâmica da minha infância: Batman & Robin, cuja indumentária faria inveja a qualquer parada gay. A natureza insólita das cenas é muito divertido de assitir. Parece uma brincadeira de criança, na qual tudo acontece, até que o dono da bola mude de ideia. Há saída para tudo. O spray explosivo, o tubarão que não larga da perna do homem morcego, o helicóptero no piloto automático, o cuidado dos atores na escada de corda. É hilário! Assista no Youtube ao trecho da séria. "São muitas emoções, bicho!" http://www.youtube.com/watch?v=X0UJaprpxrk
ResponderExcluirÉ interessante, antes de rever um filme ou reler um livro depois de muitos anos, tentar anotar o que a gente lembra. Às vezes coincide com prefisão. Às vezes a gente lembra de uma maneira completamente distorcida.
ResponderExcluirEsse filme clássico de Modesty Blaise infelizmente está indisponível em DVD no Brasil sendo que só dá para assistir alguns de seus trechos no Youtube. Nunca pude assití-lo na íntegra assim como perdi também a segunda versão feita em 2004 intitulada "Meu Nome É Modesty Blaise" produzida por Quentin Tarantino. Modesty Blaise marcou minha infância nos anos oitenta quando eu lia suas tiras então publicadas no jornal "O Globo" sendo ainda que ela é a versão feminina oficial de 007.
ResponderExcluirMichael, há pessoas que vendem cópias para colecionadores. (Não se trata de pirataria.) Minha cópia de Modesty Blaise foi fornecida pelo Magobardo (magobardo@yahoo.com). Se houver interesse faça contarto.
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