Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 10 de outubro de 2010
2370) Nova viagem à Lua (10.10.2010)
Pesquisando a história remota da FC no Brasil, buscamos algo que se assemelhe aos livros que Julio Verne ou H. G. Wells estavam publicando na Europa, e ficamos decepcionados quando não os encontramos. Os livros de Verne e Wells eram produto de sociedades muito diferentes da nossa. Surge aqui um ou outro título concebido no mesmo espírito (como o prova, por exemplo, O Doutor Benignus, de Augusto Emilio Zaluar), porém o mais normal é encontrarmos obras que tratam aqueles temas com outro espírito, outras intenções, e afeitas às expectativas de outro público.
Nessa linha, uma curiosa referência teatral é a opereta em 3 atos Nova Viagem à Lua, de Artur Azevedo e Frederico Severo. Artur Azevedo foi um dos principais autores teatrais de sua época. Sua peça Amor por anexins, escrita aos quinze anos, é montada ainda hoje. Esta opereta foi lançada em 1877, quando ele tinha 22 anos, com música de Le Coq, e foi representada pela primeira vez no Teatro Fênix Dramática, no Rio.
Trata-se de uma comédia de costumes, típica do autor, em que a viagem à Lua é apenas o elemento desencadeador de situações cômicas. A ação do primeiro ato passa-se em Ubá (MG), e os dois últimos na Corte (o Rio). Luís, o filho do fazendeiro Arruda, de Ubá, quer casar com Zizinha, filha do velho Santos, que é um antigo amigo de Arruda, embora agora os dois estejam com as relações estremecidas. Santos diz que só cederá a mão da filha a Luís se este convencer o pai a vir à Corte (ao Rio de Janeiro), coisa que ele jurara nunca mais fazer.
Machadinho, amigo de Luís e membro da sociedade carnavalesca “Netos da Lua”, fica sabendo do entusiasmo do velho Arruda com a leitura de Da Terra à Lua de Julio Verne, e convence o fazendeiro de que é possível construir um foguete e ir à Lua. Pede dinheiro emprestado e manda construir uma alegoria carnavalesca em forma de foguete, que fotografa e mostra a Arruda para convencê-lo de que está tudo pronto para a viagem.
Arruda é levado ao Rio, narcotizado e, ao acordar, está no meio de um baile carnavalesco na sede dos “Netos da Lua”. Os rapazes o convencem de que está na Lua e que o filho dele foi coroado Rei da Lua sob o nome de Luís I. O Dr. Cábula, um intelectual de discurso comicamente empolado, colabora na farsa. Depois, com o aparecimento do velho Santos, tudo se esclarece; os dois velhos retomam a amizade e Luís casa com Zizinha.
Podemos desenvolver a partir daí uma teoria da vocação carnavalizadora (inclusive no sentido proposto por Bakhtin) que a narrativa brasileira (literatura, cinema, teatro) pratica com os temas tratados a sério pela Europa e EUA. Não é privilégio brasileiro: na Europa de 1870 certamente havia “farsas selenitas” nesse estilo. Mas essa carnavalização é coisa nossa, não há dúvida. Na chanchada cinematográfica, no filme B, no teatro, nas letras de MPB, os temas da FC são geralmente pretexto para a sátira, a paródia, a brincadeira, em que tudo acaba num baile à fantasia.
Certa feita, na aula de literatura e outras linguagens, assisti ao filme, ou minissérie da rede globo? Memórias de um Sargento de Milícia, adaptação, se não me engano de Millor Fernandes, que é uma carnavalização completa do texto de Manuel Antônio de Almeida. O que é uma técnica para se trabalhar a caricatura e exteriorizar os alteregos enrustidos e as alegorias representativas de extratos sócio-psicológicos das personagens.
ResponderExcluirForte abraço, BT.
Kdu
Outros exemplos de cinema carnavalizando a literatura: "Macunaíma", filme de Joaquim Pedro sobre livro de Mário de Andrade; "Um azyllo muito louco", filme de Nelson Pereira dos Santos sobre livro de Machado de Assis.
ResponderExcluirQuase citei o "Michaelnaíma" do Mário mas como o livro já é mais pra lá do que bundalelê, deixei de lado... O segundo irei em busca. "Um azyllo muito louco" seria uma adaptação do conto O Alienista, ou talvez do romance Quincas Borba? Vamos à pesquisa!
ResponderExcluirObrigado pelas dicas, BT.
Kdu
Joaquim Pedro carnavalizou ainda mais o livro de Mário, modernizando, botando Roberto Carlos, rock, motos, etc. E o "Azyllo" é o "Alienista", sim.
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