Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
2366) Palavras incômodas (6.10.2010)
Por que motivo a gente gosta de umas palavras e não gosta de outras? As razões variam em cada caso, mas o fato é que palavras assim nos dão uma sensação de incômodo, de desconforto, quando por pressa ou por falta de um equivalente mais palatável temos de enfiá-las numa frase.
Veja-se por exemplo a palavra “disponibilizar” e seus derivados, tão empregada hoje, principalmente em referência à internet, para exprimir a ideia de algo colocado à disposição de qualquer pessoa que se interesse. Se eu digo que estou colocando um texto meu à disposição do público, esta frase não dispara nenhum alarma. Mas todas as (raras) vezes em que escrevi “estou disponibilizando um texto”, a mera visão desse polissílabo numa frase de minha autoria me produziu um calafrio de horror, como se visse uma centopeia sobre a minha escrivaninha. Por que? Acho que porque me parece uma palavra desajeitadamente longa, e além disso uma palavra pretensiosamente metida a erudita. Pertence a uma longa família de palavras pomposas vindas do jargão administrativo/gerencial: disponibilizar, operacionalizar, viabilizar, etc. Palavras que se formam à maneira alemã, somando prefixos e sufixos para dar pequenas torções do sentido. O verbo “dispor” sugere o adjetivo “disponível” e este adquire a comprida cauda que o transforma em “disponibilizar”. Por mim prefiro dizer que “estou colocando à disposição”, ou, caso seja preciso dizer uma palavra somente, que estou oferecendo, expondo, entregando, distribuindo, qualquer coisa que se aplique melhor ao contexto.
Outra palavra terrível que está na moda: “pertencimento”. A toda hora tem alguém dizendo: “Este projeto pretende aumentar a sensação de pertencimento das comunidades rurais...” Neste caso a origem parece ser o inglês, o termo “belonging”, que exprime essa ideia de pertence a algo contexto mais amplo. Temos o verbo pertencer mas não temos o substantivo correspondente, e traduzimos ao pé da letra “belonging” por “pertencimento”. Eu preferiria dizer integração, assimilação, vínculo, união... Há várias alternativas, cada uma mais indicada a um diferente contexto.
Mais um termo do jargão administrativo-gerencial: “empoderamento”. Quem diabo autorizou a circulação dessa coisa horrenda? Mais uma vez trata-se da tradução-às-cegas de um termo inglês, “empowerment”, que exprime a ideia de conferir maior poder a uma pessoa, seja o mero poder advindo de um novo cargo, seja uma atitude mais positiva que brota do próprio indivíduo, tornando-o mais dinâmico e mais capacitado. A única desculpa possível é que faltava ao idioma uma palavra isolada, baseada no mesmo radical (“poder”) capaz de exprimir esta ideia. O resultado, porém, ficou antieufônico e pouco evidente – é uma dessas palavras que precisam ser relidas e avaliadas para que a gente possa deduzir o que significam. Péssima receita para uma palavra não-literária, que se pretende de uso corrente.
fantástico, Bráulio!!! Eu mesma me vejo muitas vezes a utilizar fortemente todos estes jargões dos anglicismos ou os indo-germanismos da vida. Mas acho vibrante que pessoas das letras como você provoquem, balancem a vida da gente com o significado das palavras e expressões, que por modismos ou a simples ignorância, descaracterizam os tracos nossa língua, mas também de nossa comunicação. Não que a língua seja algo estático, pois é fascinante a dinâmica câmbios culturais na linguabem , mas para mim o mais importante é perceber, se de fato as mudanças linguísticas existentes são frutos de processos de nossa própria experiência linguística e não uma simples e passiva aceitação dos modismos pós-moderno da linguagem híbrida.
ResponderExcluirforte abraco
Betânia Ramos Schröder
uau!
ResponderExcluirEsse tipo de adaptação, muita da vez, é bem-vindo. Uns pegam [no pé], outros caem em desuso completo. A língua [e eu me refiro ao idioma], é tão viva quanto uma centopeia, senptopeia, octopeia, milcentoetrezentopeia que, ainda que, passe, ou não, pelo nosso crivo pessoal, ganha terreno, como se um ser gigantesco nos engolisse a todos, tomasse as cidades, descaracterizasse [essa é das grandes, hein!] o país, as Américas, o planeta e avante!
Enfim.
O bom é que existem pessoas feito o nosso Bráulio Tavares, brasileiríssimo-intergaláctico, que nos faz incômodos no cadetrático assento, ou acento, de nossa impotência autoanalítica!
Pernóstico total!
Salve o deus Cretino!
Abraço, BT!
Kdu