Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
2342) “Os Cronolitos” (9.9.2010)
The Chronoliths (2001) é um romance de ficção científica do canadense Robert Charles Wilson, que tem uma premissa admirável.
Numa certa madrugada de 2021, numa região rural da Tailândia, ouve-se uma explosão que parece a queda de um meteoro. Na manhã seguinte, polícia, exército e uma multidão de curiosos aflui para o local, e encontra ali, erguido magicamente da noite para o dia, um maciço obelisco com dezenas de metros de altura, no meio de uma tremenda devastação provocada pela onda de choque.
Na base do monumento, feito de uma matéria desconhecida, lê-se uma inscrição, num misto de inglês e mandarim, celebrando a vitória de um tal de Kuin numa batalha que teve lugar em 2041 – vinte anos no futuro.
Este é apenas o primeiro dos cronolitos, que nos anos seguintes começam a aparecer por toda a Ásia e a se espalhar pelos continentes. Fica óbvio que num futuro próximo esse líder chinês adquiriu tamanho poder militar e científico que é capaz de enviar para o passado os monumentos celebrando suas conquistas.
Hitler dizia que o III Reich se estenderia mil anos no futuro; Kuin vai mais além, estende seu império na direção do passado.
O romance de Wilson acompanha Scott Warden, um norte-americano cuja complicada vida pessoal vai sendo marcada (e seriamente avariada) pelo surgimento dos cronolitos e do culto fanático que surge em torno deles – porque (muita gente pensa) se um imperador é poderoso o bastante para fazer isso, é melhor aliar-se a ele desde o começo, e ajudá-lo a fundar seu império.
Assim, dentro da costumeira lógica em “loop” das histórias de FC com paradoxos temporais, os monumentos à grandeza de Kuin ajudam a fazê-lo emergir do anonimato e, pouco a pouco, alastrar seu império pelos continentes até chegar, no final do livro, aos EUA. E ele se vale, principalmente, dos cultos e das milícias kuinistas formadas por gangs de jovens marginais, insatisfeitos e agressivos das grandes cidades, do tipo que se deixa fascinar por um líder violento.
The Chronoliths foi publicado em 2001, meses antes do ataque ao World Trade Center, criando um sutil paradoxo entre ficção e vida: o aparecimento de monumentos fantásticos e a destruição de monumentos reais.
A aparente megalomania da imaginação de Wilson é bruscamente reduzida pela megalomania real dos atentados. O invisível e onipresente Kuin do romance acaba sendo refletido no onipresente e invisível Osama Bin Laden do mundo pós-2001; a ameaça chinesa se transforma em ameaça islâmica.
Poucas vezes um romance de FC estabeleceu essa relação de simetria e sincronicidade com fatos do mundo real na época do seu lançamento. O livro de Wilson cresce ainda mais de importância quando vemos que ele não se centra nos cronolitos, mas na vida de Scott, seu casamento desfeito, sua filha problemática, sua relação com a mãe de um adolescente kuinista.
As catástrofes coletivas vistas pela ótica das tragédias individuais que deixam no seu rastro.
Sua resenha vem muito bem a calhar, Braulio, principalmente por me deparar com ela hoje, no dia 11 de setembro, nove anos depois do atentado às Torres Gêmeas. Infelizmente meu inglês não me permite ler este livro no original, então estou buscando-o em espanhol, idioma que domino. Tomara que eu o encontre o logo. Seu texto me estimulou bastante a insistir em procurá-lo. Um forte abraço!
ResponderExcluirProcure em espanhol, mas faça uma forcinha para ler em inglês. A gente aprendeu a ler em português. Era muito mais difícil, e a gente aprendeu. Porque não tinha alternativa.
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