Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
2335) As mulheres andróides (1.9.2010)
(Orcinus Eva, de Jean-Luc Marcastel)
Quando Villiers de l’Isle-Adam escreveu seu romance de proto-ficção-científica, A Eva Futura (1886), talvez o seu principal intuito fosse fazer um cruzamento bárbaro entre a tecnologia do século 19 (usando como protagonista Thomas Alva Edison, então ainda vivo e em plena atividade) e a cultura clássica, simbolizada pelas estátuas famosas de Vênus, do ideal greco-romano-europeu de beleza feminina. Sintomaticamente, um romancista que tem “Adão” no nome cria um romance sobre uma “Eva” produzida artificialmente, à sombra da Árvore da Ciência. O livro de Villiers tem sido repetidamente reeditado e discutido pelo mundo acadêmico, que aliás não poupa críticas ao seu machismo, ou seja, à sua visão implícita de que a mulher ideal é aquela que tem um corpo perfeito e uma mente formatada (em linguajar contemporâneo, “uma cabeça feita”) pelo marido.
É mais ou menos esta a situação proposta pelo filme As esposas de Stepford (Brian Forbes, 1975), em que uma comunidade de yuppies norte-americanos decide matar suas esposas e substituí-las por andróides feitos à sua imagem e semelhança, mas totalmente submissas, voltadas para as tarefas domésticas e para, hmmm, os folguedos da alcova. Para os maridos envolvidos, aquela comunidade (é um desses vilarejos suburbanos de gente rica, uma espécie de condomínio fechado) é uma utopia onde tudo acontece de acordo com a sua fórmula de “o melhor dos mundos”. Do ponto de vista da protagonista, vivida por Katharine Ross, é um pesadelo distópico: ela é jovem, independente, e ao lado de uma amiga fica tentando convencer aquelas donas-de-casa floridas e sorridentes a reivindicar seus direitos. Só que as outras não querem! Querem manter a cozinha brilhando como um espelho, servir drinques para os amigos do esposo, e ser para eles uma versão mais sofisticada de boneca inflável.
O filme de Bryan Forbes é um ótimo retrato de sua época, década de 1970 quando o movimento feminista estava se alastrando nos EUA como incêndio no cerrado. Era a época do Relatório Hite (1976) de Shere Hite, My Secret Garden (1973) de Nancy Friday e outros livros que tratavam a sexualidade feminina de maneira aberta e independente – uma sexualidade politizada e contestadora, o contrário da exploração feita por revistas como Playboy, Hustler etc. A FC entra neste filme como um elemento provocador, dando tintura de pesadelo ao machismo, como se dissesse às mulheres: “É isto que eles fizeram de vocês: autômatos com genitália, empregadas domésticas maquiladas e bem vestidas”.
A presença da atriz Katharine Ross entre essas “Evas futuras” faz uma interessante conexão com o filme anterior da atriz, A primeira noite de um homem, em que ela larga um noivo no pé do altar e foge com Dustin Hoffman, recusando-se ao papel da esposa modelo de um yuppie republicano. A guinada conservadora dos EUA nas últimas décadas deixa todos estes filmes talvez mais atuais do que no tempo em que foram feitos.
ginoides?
ResponderExcluirGinóides seria o termo tecnicamente mais correto (gino = feminino), mas andróides acabou se consagrando pelo uso e "encompassou" a porção mulher da idéia.
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