Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 7 de setembro de 2020
2316) O Ulisses japonês (10.8.2010)
O escritor Joshua Cohen fez uma lista dos romances equivalentes ao Ulisses de James Joyce em diferentes países. O exame desses títulos nos mostra como o modernismo literário se espalhou pelo mundo ondas de círculos que nascem em diferentes pontos e se interseccionam. O Ulisses russo (Petersburgo, de Andrei Biely) é de 1913, o irlandês de Joyce é de 1922. O Ulisses japonês, segundo Cohen, é um romance de 1930, The Scarlet Gang of Asakusa, de Yasunari Kawabata. Este autor, ganhador do Prêmio Nobel em 1968, já teve várias obras traduzidas no Brasil, entre elas O País das Neves e A Casa das Belas Adormecidas.
Ao que eu saiba não há tradução brasileira de A Gang Escarlate de Asakusa, escrito quando Kawabata morava neste distrito de Tóquio, uma zona meio boêmia, meio barra-pesada. Joshua Cohen justifica assim sua escolha desse livro: “Este romance sinistro, fervilhante de prostitutas adolescentes e de escritores vagabundos, deu ao seu autor o prêmio que escapou a Joyce, o Nobel. Publicado originalmente num jornal diário, foi certamente uma das mais estranhas obras já serializadas na imprensa. O monstro de Kawabata é um percurso maníaco no interior da fétida Asakusa, a zona do baixo meretrício de Tóquio”.
Este resumo não diz muito sobre a obra; tive que recorrer a um artigo de Ian Buruma na New York Review of Books (http://tinyurl.com/36swd4s). Ali se diz que Asakusa não era simplesmente a zona do baixo meretrício, e sim uma área fervilhante de entretenimentos variados. Surgiram ali, por exemplo, os primeiros cinemas e o primeiro arranha-céu de Tóquio. Na virada do século, havia lá “um teatro kabuki, malabaristas, casas de gueixas, números circenses, fotógrafos lambe-lambes, dançarinos, comediantes, macacos amestrados, bares, restaurantes e galeria de arco e flecha cheias de garotas de programa”. A zona foi destruída duas vezes: a primeira no terremoto (seguido de incêndio) de 1923, após o que foi reconstruída; e depois no bombardeio norte-americano de 1945, quando morreram entre 60 e 70 mil pessoas. Hoje, é uma área comercial como qualquer outra, cheia de edifícios.
Kawabata captou o espírito boêmio de Asakusa num estilo chamado na época de “ero, guro, nansensu”: erótico, grotesco, nonsense. Diz Buruma: “O romance não se preocupa em trabalhar personagens, mas em exprimir uma nova sensibilidade, uma nova maneira de ver e de descrever uma atmosfera: rápida, fragmentada, cortando de uma cena para outra, como na edição de um filme ou na composição de uma colagem, com uma mistura de reportagem, slogans publicitários, letras de canções, fantasias, anedotas históricas e lendas”. Segundo ele, esse modo fragmentado de narrar era devedor do Expressionismo europeu ou “Caligarismo”, a partir do filme de Robert Wiene, O Gabinete do Dr. Caligari. Mais uma obra que nos ajuda a ver o Ulisses de Joyce como um pico numa cordilheira, e não como uma elevação isolada no meio de um deserto.
Mais um artigo que faz aumentar a minha lista de leituras. É uma pena não haver tradução dessa obra para o português, mesmo que seu autor tenha sido laureado com o Nobel.
ResponderExcluirO ambiente em que se passa a obra parece ser propício para que boas histórias, parece ser um mosaico que mescla o passado com o presente, o fantástico com o cotidiano, e o oriental com o ocidental. Parece ser uma obra de muita intensidade.
Não verifiquei, mas talvez haja tradução em Portugal, afinal é um autor que ganhou o Prêmio Nobel.
ResponderExcluirRealmente não parece haver tradução dessa obra em específico, mas há bastante traduções de outros livros do Kawabata.
ResponderExcluirSe souber de alguma tradução de Portugal não deixe de nos avisar Braulio.
Oiê.
ResponderExcluirTem edição sim. Da Estação Liberdade, traduzida direto do Japonês por Meiko Shimon, que tb verteu vários outros pra Estação. O livro está esgotado na editora, mas vc encontra alguns exemplares oferecidos na estante virtual.
Minha entrada nesse autor foi via O Mestre de Go. Depois de uma noitada em que falei horas sobre o conto do jogador de xadrez do Zweig pruma amiga, ela me mandou este. Daí fui a O Som da Monanha. Qt à gangue escarlate, ficou lá pela prateleira. Até hoje. Depois desta cutucada, Braulio, foi pra pilha ao lado da rede.
SM.R