Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 23 de julho de 2010
2298) “Recife Frio” (20.7.2010)
Este curta-metragem de Kléber Mendonça é um ótimo exemplar do “cinema brasileiro” de “ficção científica”, ou seja, é filho de um pai eternamente na pindaíba e de uma mãe estrangeira que ainda não obteve cidadania. Com cerca de 15 minutos, é um documentário fictício, narrado quase todo em espanhol por um repórter de alguma TV latino-americana que faz a cobertura de um fato inusitado. Depois da queda de um meteorito numa praia, a região litorânea de Pernambuco, em volta do Recife, sofre um fenômeno meteorológico inexplicável. Por cima dela instala-se uma camada de nuvens pesadíssimas, fazendo a temperatura cair a cerca de 5 a 10 graus, e provocando chuvas constantes. De cidade tropical, Recife passa a ser uma cidade que lembra a Suíça no inverno: chuva, neve, gelo, gente encapotada.
A idéia é interessante e bem realizada, porque nos letreiros finais ficamos sabendo que o diretor filmou cenas em cidades de vários países, e depois montou essas cenas com outras filmadas no Recife, dando a impressão de que tudo se passa ali. Não há como não rir e não se emocionar com a imagem final de Lia de Itamaracá toda agasalhada, de cachecol e luvas, comandando um grupo de 15 pessoas numa ciranda, numa praia vazia e congelada.
O pseudo-documentário aborda o tema de vários ângulos, inclusive da cultura popular. Uma dupla de emboladores de coco, encapotados e friorentos, descreve em versos o sofrimento dos pernambucanos, desacostumados àquelas temperaturas. Lojas de artesanato mostram bonecos de barro reproduzindo gente cheia de agasalhos, xales, luvas, gorros e toucas, para se protegerem do frio. Nas ruas, céu cinzento e chuva constante. Nas praias, crise econômica dos bares e das pousadas que ficam vazias de turistas, pois o sol deixou de aparecer. Nos apartamentos de classe média, todo mundo briga pra dormir no quarto de empregada, o lugar mais quente da casa.
O filme não dá explicações científicas sobre o que aconteceu, mas constrói uma ambientação bem urdida misturando cenas reais e situações encenadas, o que acaba tornando plausível a situação. Mais do que saber por que ocorreu aquilo, ficamos interessados em ver como as pessoas se adaptam à situação e tentam tocar suas vidas. Por coincidência, vi este filme quando estava lendo 50 Degrees Below de Kim Stanley Robinson, em que ele descreve uma situação semelhante em Washington, quando a temperatura cai bruscamente devido à conjunção de fatores ambientais, congelando os rios e lagos e prendendo todo mundo em casa. O que ocorre no filme de Kléber não é tão improvável assim, se bem que mais provável ainda, em termos de catástrofe, seja a invasão do Recife (e outras cidades litorâneas) pelo mar, criando um ambiente como o da Manhattan semi-submersa mostrada por Spielberg em Inteligência Artificial. Enquanto isso, o filme de Kléber Mendonça mostra que não precisamos de orçamentos spielberguianos para fazer cinema de ficção científica. Basta criatividade.
Finalmente, o "empate". Longa vida ao MF! Abraço, Lola
ResponderExcluirOnde você viu esse curta? Está disponível na rede?
ResponderExcluirPois é, mestre Lola... Consegui empatar. Foram 2 anos e 4 meses. Grande abraço!
ResponderExcluirLaerte, vi uma cópia na mão de um amigo meu. O filme está cumprindo o circuito de festivais. Em breve tem no YouTube, eu acho.
ResponderExcluirDescobrindo sua imensa riqueza 'blogal' em forma de causos contados em voadoras palavras só há 1 semana. Digerindo e gostando + que farinha. Parabéns pelo imenso talento. Abs, desde o friorento Recife, Madalena.
ResponderExcluirDescobrindo sua imensa riqueza 'blogal' em forma de causos contados em voadoras palavras só há 1 semana. Digerindo e gostando + que farinha. Parabéns pelo imenso talento. Abs, desde o friorento Recife, Madalena.
ResponderExcluir