Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 18 de julho de 2010
2277) George Orwell e o futebol (25.6.2010)
(foto: Laurence Griffiths)
Em tempo de Copa do Mundo, talvez valha a pena refletir sobre a impressão que essas disputas internacionais de futebol já causaram. Em dezembro de 1945 George Orwell publicou no jornal Tribune um artigo intitulado “The Sporting Spirit” em que comentava com azedume a visita do Dínamo de Kiev à Inglaterra para disputar alguns jogos amistosos, talvez como parte da política de boa vizinhança que Churchill e Stálin tentaram manter por algum tempo depois de derrotarem o nazismo. Se era esta a intenção, diz Orwell, eles podiam tirar os respectivos cavalinhos da chuva: “O esporte disputado pra valer não tem nada a ver com ‘fair play’; ele se alimenta de ódio, ciúme, jactância, desprezo pelas regras e o prazer sádico em observar atos de violência. Em outras palavras, é uma guerra sem armas de fogo”.
Ainda estava viva na memória de Orwell a maneira como Hitler tentou capitalizar politicamente as Olimpíadas de 1936, e ele via na utilização do esporte no mundo moderno uma manipulação cínica e deliberada de alguns dos piores sentimentos: “Na Inglaterra e nos EUA o esporte se tornou uma atividade de pesados investimentos financeiros, capaz de atrair enormes multidões e de despertar paixões selvagens, e essa infecção se alastrou de país em país. E foi nos esportes mais violentos e combativos, o futebol e o boxe, que ela mais se espalhou. Não há dúvida de que tudo isto está ligado à ascensão do nacionalismo, ou seja, este lunático hábito moderno de alguém se identificar com grandes estruturas de poder, e passar a enxergar todas as coisas do ponto de vista do prestígio competitivo”.
Estas reflexões são interessantes, de um lado, por revelar o pessimismo de um escritor e de um povo que mal tinham saído de uma das maiores catástrofes guerreiras que a humanidade já viu. E por outro lado nos levam a pensar que Orwell nesse momento estava iniciando a composição de seu último e melhor livro, 1984, que foi publicado em 1948. Li este livro há muito tempo e não me lembro se ele inclui o esporte entre as formas de manipulação totalitária do Big Brother. (Em todo caso, em 1975 Georges Perec publicou W, ou A Memória da Infância, uma aterradora parábola kafkeana sobre a utilização de esportes olímpicos como sustentáculo do fascismo.)
Orwell diz: “O mais significativo disso tudo nem é o comportamento dos jogadores, mas o da torcida, e, para além da torcida, das nações que se deixam tomar de fúria por causa dessa disputas sem sentido, e acreditam seriamente – durante um certo tempo, pelo menos – que correr, pular e dar chutes numa bola são testes das virtudes de uma nação”. O escritor talvez se decepcionasse ainda mais, se visse as somas fabulosas movimentadas pelo futebol de 2010, comparadas às de 1945. O lado positivo é o fato de que o esporte deixou de servir à guerra, à belicosidade, e hoje serve ao comércio e ao consumismo. Mas não sei se isso adoçaria a boca de um indivíduo lúcido e amargo como Orwell.
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