quinta-feira, 8 de julho de 2010

2246) Maiakóvski: um poeta na estrada (20.5.2010)




Poesia no tempo de Maiakóvski era algo que não se concebe no Brasil de 2010. Poesia, para nós, é algo redigido no silêncio de um apartamento para ser publicado, na melhor das hipóteses, num volumezinho em tiragem de 200 exemplares ou um pouco mais. 

O grande momento é um lançamento-recital num bar, em que dizemos alguns poemas, autografamos livros para 30 ou 40 amigos, e o restante da edição é distribuído ou trocado com colegas que publicam seus versos no mesmíssimo sistema.

Talvez somente os cantadores de viola nordestinos tenham uma experiência poética semelhante à dos poetas russos nos anos 1920, nos anos posteriores à Revolução. 

Maiakóvski viajava o país inteiro fazendo recitais diante das platéias mais variadas, dizendo poemas em auditórios, escolas, pátios de fábrica, quartéis, teatros e cinemas. Discutindo, argumentando, batendo boca com o público. Numa carta de 1926 a sua namorada Lili Brik ele conta:

“Viajo como um louco... Recitei em Voronezh, Rostov e Taganrog. A seguir de novo em Rostov e Novocherskass.. E recitar não é fácil. Recito todos os dias. Por exemplo, sábado recitei em Novocherskass desde as 8:30 da noite até as 12:45... E às 8 da manhã seguinte, na Universidade. Às 10:30 li versos no quartel de um destacamento de cavalaria do Exército Vermelho. À 1:30 regressei a Rostov e recitei na Associação de Escritores Proletários. Terminei às 4:50, e às 5:30 recitei no clube da fábrica Lênin...”

Quem fazia isso não era o poeta laureado do regime, bancado pelo Kremlin. Era um simpatizante problemático, um mero “companheiro de jornada” dos comunistas, um poeta de artesanato difícil, criticado por Lênin por não ser tão facilmente assimilável quanto Pushkin; o poeta que disse: “Sem forma revolucionária não existe arte revolucionária”. 

Essa poesia dita difícil era burilada, refeita, reformatada, no embate diário com platéias exaltadas, cheias de entusiasmo e de perplexidade por um estado de coisas com que nunca tinham sonhado. 

Um poeta de hoje – eu, você, qualquer um – jamais poderá ter a mesma experiência poética que tinha alguém envolvido a esse ponto com o público, com as respostas e as críticas do público.

De outra carta a Lili Brik, em 1927: 

“A 25 falei em Karkhov, junto com S. Kirsanov. A 27 e 28 em Lugansk (Vorochilovgrado) e a 29 em Stalino. A 31 falo de novo em Karkhov. Na Criméia estarei a 4 de agosto e participarei de uma sessão em Sinferopol. A 5 falarei em Sebastopol e a 8 em Aluch. A 12 em Gurzuf e a 16 em Alupca. A 17 e 18 em Ialta. A 19 recitarei em Eupatorio e a 20 de novo em Sinferopol. A 22 em Livadio, num sanatório onde repousam 350 camponeses. A 23 estarei em Jaraks, e a 24 em Simeis. A 25, 30 e 31 de novo em Ialta. A 3 de dezembro no Cáucaso, em Piatigorsk...” 

Era outro tempo. Outro mundo. Em termos de importância e de repercussão social, a poesia desse tempo tinha apenas uma leve semelhança com o que chamamos de poesia hoje.





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