Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
2218) Música Erudita e Música Espontânea (17.4.2010)
Um dos clichês mais frequentes no jornalismo cultural (como este que eu pratico) é o de contrapor música erudita e música popular.
Qualquer leitor de suplementos culturais entende o que é isso. Eruditos são Bach, Beethoven, Chopin; populares são Roberto Carlos, Michael Jackson, Luiz Gonzaga. Parece que, mesmo que não exista uma linha nítida separando os dois grupos, eles são mesmo dois, e diferentes um do outro.
Existem, entretanto, artistas que tanto podem ser incluídos num grupo quanto no outro. Wagner Tiso, Edu Lobo, Paulo Moura, são eruditos ou são populares? Eu acho que esta é uma falsa questão, e direi por que.
A divisão entre Erudito e Popular é equivocada porque mistura critérios heterogêneos, que se referem a coisas diferentes. Parece aquele verso de Drummond em que ele se refere à “vitória do pequeno contra o muito”. Um não é o contrário do outro, é o contrário de algo que se parece com o outro.
“Popular”, por exemplo, é o contrário de “aristocrático”. Refere-se à origem social de uma cultura qualquer.
Aristocracia, em princípio, nada mais tem a ver com erudição. Pensamos que tem a ver porque essa música que chamamos de erudita foi criada no contexto da aristocracia, foi patrocinada por ela ao longo de séculos; identificou-se com ela; mas difundiu-se a tal ponto que perdeu essa exclusividade. Muitos grandes músicos compositores dessa própria música de origem aristocrática tiveram origem pobre. Hoje, a música erudita é ensinada em Conservatórios para rapazes de moças de qualquer origem social.
Qual é o contrário de Música Erudita, então? Eu diria que é “Música Espontânea”, música feita sem estudo teórico, formal, sistematizado.
Música ensinada e aprendida por mero lazer, num contexto familiar ou de amizade, ao invés de num contexto de ensino formal. Poderíamos usar como pedra-de-toque ou tira-teima, para diferenciar as duas, a prática da música escrita. No momento (eu diria) em que um músico é capaz de ler e escrever, é capaz de registrar algo numa partitura e de ler e tocar algo que está escrito em outra, ele deixa de pertencer à Música Espontânea e passa a pertencer ao mundo da Música Erudita, independentemente de sua origem social, ou do tipo de ritmo que está tocando, pode ser uma sinfonia ou um forró.
Um músico de frevo que toca por partitura é Popular por origem social e Erudito pela educação que recebeu.
Erudito e Espontâneo indicam os dois pontos extremos numa escala de absorção de uma norma culta musical, criada e mantida há séculos. Mais uma vez, não há uma linha nítida separando as duas; são gradações.
Qualquer tocador de cavaquinho que faça um acorde está se beneficiando de algo criado há séculos no contexto da Música Erudita. Esta, no entanto, não é mais sinônimo de Música Aristocrática, embora pareça, e seus rituais públicos (concertos, etc.) ainda se revistam, por tradição e charme, dos rituais da classe social que lhes deu origem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário