Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 29 de junho de 2010
2206) A laranja chupada (3.4.2010)
Numa entrevista recente ao “Globo”, o treinador do Santos, Dorival Júnior comentou o estado atual do nosso futebol, e fez uma comparação interessante. Disse ele que um dos problemas no atual futebol brasileiro é a ênfase excessiva dadas aos aspectos físicos e táticos do jogo, e pouca importância dada aos fundamentos técnicos. Ele lembrou o caso do vôlei brasileiro, que se tornou o melhor do mundo através de técnicos como Bernardinho e Zé Roberto Guimarães, que criaram uma filosofia de treinamento dos fundamentos básicos do jogo: recepção, passe, cortada, saque, finta, etc. Nossos times de vôlei são os melhores do mundo (ou estão consistentemente entre os melhores do mundo há 20 anos) devido a esse foco nos fundamentos. Sem fundamentos, não adianta tática, nem preparo físico, nada, nada.
O que são os fundamentos do futebol? São o drible, o passe, o chute a gol, a cabeçada a gol (os principais) e mais a matada de bola, a condução de bola, etc. Não sei como os técnicos dividem teoricamente essas coisas, mas eu divido assim: no futebol, técnica (fundamento) é tudo que envolve um jogador e a bola; tática é tudo que envolve dois ou mais jogadores e a bola. No capítulo da tática, portanto, estão aquelas coisas como a tabelinha, a triangulação, aquilo que Cláudio Coutinho chamava de “overlapping” (quando na lateral um jogador domina a bola, é ultrapassado velozmente por um companheiro e toca a bola para que este a alcance lá na frente), etc.
Nossos jogadores eram (até o tricampeonato em 1970) os melhores do mundo em técnica. Ninguém passava, driblava ou chutava melhor do que a gente. Os europeus nos sobrepujavam, quando era o caso, no preparo físico ou na esperteza tática, principalmente na marcação. Nossos jogadores eram os mais técnicos (os mais talentosos nos fundamentos) porque se criavam jogando com laranja chupada, bola de meia, bola de plástico furada, coco seco, tampa de garrafa. A variedade de movimentos musculares e de reflexos gerada por essas atividades lhes dava muito mais recursos quando se deparavam com a simplicidade de uma bola profissional, algo próximo de uma Esfera Platônica.
Mas hoje... Meus amigos, assistir qualquer campeonato estadual, ou mesmo o Brasileiro, nos dá os mesmos calafrios de um gramático folheando um livro de poesia matuta. Os jogadores brasileiros atuais (me refiro aos dos grandes clubes, não aos do Naviraiense) levam em média cinco ou dez segundos para dominar a bola quando recebem um passe feito à distância. Isso quando o jogador que fez esse passe à distância consegue colocar a bola a menos de três metros do que vai recebê-la. Nossos chutes a gol são uma antologia de videocassetadas. Dribles? No futebol brasileiro de hoje você tira uma dúzia que sabe driblar; para os demais, driblar é rodear o zagueiro empurrando-o com o ombro. Já está na hora de jogar a garotada na rua, com uma laranja chupada, para ver se salvamos pelo menos a próxima geração.
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