Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
2182) “Os Estranhos” (6.3.2010)
Neste filme de terror, escrito e dirigido por Bryan Bertino em 2008, um casal jovem, James (Scott Speedman) e Kristen (Liv Tyler) resolve passar a noite na casa de campo dos pais dele. O casal está ligeiramente em crise, porque James acabou de pedir Kristen em casamento e ser recusado. Ela dá mostras de gostar dele, mas casamento não está nos seus planos. Os dois chegam à casa, tomam champanhe, meio sem assunto, pois nada está acontecendo de acordo com o que ele planejava. E de repente, às 4 da manhã, pessoas estranhas começam a bater na porta, a tentar entrar à força na casa, e o terror começa.
O filme não tem a pornografia-de-violência com que se delicia tanto o cinema de hoje: membros decepados, mutilações explícitas, etc. Não se trata de Jogos Mortais ou O Massacre da Serra Elétrica. Toda a narrativa é baseada na desinformação do casal sobre o que está acontecendo. Quem são aquelas pessoas? O que querem elas? Por que vieram justamente para ali? Do que são capazes? Encurralados na casa, eles tentam se proteger e se defender à espera de que o dia amanheça e a normalidade das coisas retorne. O filme, a partir dos primeiros ataques, parece acontecer quase em tempo real. As violências se sucedem, cada vez mais próximas, e a gente tem a sensação de que o dia não vai amanhecer nunca – que é justamente o que as vítimas sentem em situações assim.
O melhor terror (dizem) sugere em vez de mostrar. O ser humano é um animal que foge de predadores há um milhão de anos. É cheio de antenas ligadas em todas as direções para captar o mais leve sopro de perigo. Essas antenas são retráteis, como as unhas dos gatos, e no dia-a-dia elas se recolhem a uma hibernação provisória. Para reaparecerem, basta estarmos num lugar remoto, altas horas da noite, olhando pela vidraça e vendo três pessoas mascaradas marchando na direção da casa. Desse momento em diante, qualquer sopro de vento, qualquer estalido da madeira, qualquer flutuar de cortina nos faz dar um pinote de dois metros de altura. (E a platéia do cinema pinota junto.)
Se me perdoam a comparação bárbara, eu diria que acontece com o medo algo semelhante ao que acontece com a excitação sexual. Os manuais conjugais dos anos 1950 nos advertiam que era contraproducente passar logo aos “finalmentes” sem uma preparação prévia, pois o corpo humano tem as chamadas zonas erógenas, que precisam ser estimuladas para que os finalmentes atinjam um máximo de intensidade. Ocorre o mesmo com o medo numa narrativa de terror. De nada adianta o filme ficar fazendo um cerca-lourenço inócuo e de repente o monstro saltar pela vidraça adentro. Qualquer pequeno susto ganha em intensidade se previamente trabalhado mediante ruídos estranhos, ângulos tortos ou movimentos inexplicáveis de câmara, inquietações que só se dissipam em parte, farfalhar de folhas, tiquetaques de relógio... Maior a tensão, maior a descarga. E as possibilidades, como sempre, são infinitas.
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