Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 12 de junho de 2010
2139) Os dois terremotos do Haiti (15.1.2010)
Quando foi noticiado na terça-feira o terremoto no Haiti muita gente comentou: “Meu Deus! Uma coisa como essa, acontecer logo num país tão pobre!” De fato, o Haiti é o país mais pobre das Américas. Vive num terremoto econômico e social há duzentos anos, mas como é um terremoto em câmara lenta todo mundo se acostumou com ele, inclusive os haitianos. Eles conseguem até dançar e jogar futebol, o que aliás nos consola um pouco, porque, afinal, se estão dançando e batendo bola a situação não está assim tão má, não é mesmo? Foi preciso um segundo terremoto. E não é que os pobres tenham má sorte. Catástrofes parecidas atingiram o Japão, os EUA, o México, a Itália e muitos outros países nas últimas décadas. São como ferimentos profundos feitos em pessoas saudáveis: recebem pronto atendimento médico e bem ou mal se recuperam. No caso do Haiti, é como um tiro de .12 num moribundo.
Mal saiu a notícia do terremoto, apareceu na TV dos EUA um pastor evangélico, Pat Robertson (que em 1988 tentou se candidatar à presidência pelo Partido Republicano) afirmou: “O que o Haiti está sofrendo é consequência de um pacto que fez com o Diabo. O país era colonizado pela França, e fez um acordo com o Diabo para ganhar a independência. O Diabo disse: OK, está combinado. O país ficou independente, mas a influência diabólica continua lá. Basta ver que a República Dominicana, que fica ao lado, na outra metade da ilha, é um país próspero e tranquilo”.
O websaite BoingBoing publicou no mesmo dia um post de Maggie Koerth-Baker em resposta ao reverendo Robertson, explicando em que consistiu este pacto com o Diabo. (A fonte é este artigo no Sunday Times, de maio de 2009, cuja leitura aconselho: http://bit.ly/cYXvN.) Para se tornar independente, o Haiti derrotou militarmente a França em 1804, mas concordou em pagar-lhe uma indenização de 150 milhões de francos-ouro. Essa soma surrealista foi reduzida na década de 1830 para 60 milhões, mas é como dizia Edgar Allan Poe, quando duas coisas são impossíveis, não se pode dizer que uma é mais impossível do que a outra. Por volta de 1900, o Haiti tinha 80% de seu orçamento comprometido com essa dívida. Começou a pedir empréstimos aos juros de sempre e aos credores de sempre (EUA, Alemanha e França). Em 1947 a dívida original foi paga, depois de cerca de um século e meio de sangria contínua, e à custa de novas dívidas. Seguiram-se então as ditaduras sucessivas de Papa Doc e de seu filho Baby Doc, o qual, ao ser deposto, fugiu com algo entre 500 e 900 milhões de dólares. E Koerth-Baker completa: “O reverendo estava certo: o Haiti fez um pacto com o Diabo, e o Diabo somos nós”.
Terremotos fazem parte da ordem natural das coisas do planeta. Infelizmente, o terremoto mais lento que arrasou o Haiti a partir de 1804 faz parte de uma ordem artificial, criada por nós, seus beneficiários, onde “o de cima sobe e o de baixo desce”.
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