quinta-feira, 3 de junho de 2010

2107) O tropeção de Otto Maria Carpeaux (9.12.2009)




Otto Maria Carpeaux foi um dos intelectuais que aportaram aqui na chamada “Diáspora Européia”, fugindo dos tumultos políticos pré, durante e pós-II Guerra Mundial. Essa época nos trouxe Carpeaux, Ziembinski, Stefan Zweig, Paulo Rónai, Lasar Segall, Anatol Rosenfeld... 

O Brasil lhes deu (talvez não a todos) tranquilidade e cidadania; eles retribuíram de tal modo que no frigir dos ovos foi o Brasil que saiu ganhando. 

Carpeaux é um dos nossos críticos literários mais perspicazes e cultos, e talvez seja até uma injustiça referir-me a ele, aqui nesta coluna, indicando um defeito de julgamento. Fique a ressalva de que só questiono esse julgamento porque devo muito ao que o autor me ensinou.

Em sua Introdução ao Estudo da Science-Fiction, André Carneiro cita alguns artigos em que OMC menospreza repetidamente o gênero, em termos que sempre me chamaram a atenção. Diz Carpeaux, por exemplo, num artigo de 1959: 

“A ‘science’ não importa. O que importa é a ‘fiction’, isto é, a aventura. Toda uma imensa literatura de contos de fadas, de viagens e aventuras, de Marryat e Stevenson caiu em esquecimento para renascer na ‘science-fiction’: façanhas heróicas em face de perigos monstruosos, fidelidade comovente dos companheiros, traição infame, revoltas e motins de tripulações, a autoridade do chefe nato e, embora muito secundariamente, uma ou outra ‘affaire’ amorosa – eis os enredos sempre repetidos da moderna Odisséia dos espaços interplanetários. (...) 

"O ‘puerilismo’ do nosso tempo, que já foi diagnosticado por Huizinga, encontra na ‘science fiction’ uma manifestação quase tão característica como as histórias em quadrinhos. Essa literatura de cordel fornece ao leitor comum todas as trivialidades, horrores, sentimentalismos etc. que a literatura moderna exclui cuidadosamente dos seus enredos (ou de sua falta de enredo)”.

Carpeaux não chama sem motivo a ficção científica de “literatura de cordel”. As duas (bem como as histórias em quadrinhos) são o desaguadouro da nossa necessidade de histórias que envolvam o fantástico, o heróico, o exagerado, o improvável. 

O romance burguês, realista, “retrato da sociedade”, se forjou a partir do Iluminismo do século 18 e foi, durante os séculos 19 e 20, uma revolução positiva na literatura. Tão positiva que para grande parte dos críticos e autores ele se transformou numa palavra de ordem, numa fórmula obrigatória, numa solução definitiva para o problema literário. 

Acontece que existe nos autores e nos leitores (à revelia dos críticos) a necessidade de viagens extraordinárias, histórias fantásticas, conflitos titânicos, façanhas heróicas, não importa se tudo isso ocorre num passado distante ou no futuro próximo, se ocorre em ilhas desconhecidas ou em outros planetas. 

O cordel, a FC e os quadrinhos exprimem essa necessidade. São o retorno do reprimido, são uma literatura à parte que surgiu para compensar o excesso de racionalidade da literatura.





Um comentário:

  1. A postagem foi de 2010. Já tinha lido. Li de novo, hoje. Só posso concordar, mesmo que vossa pessoa não concorde mais (é possível0, concordo eu. E continuo a apreciar os nossos escritores do fantástico, da Sci-Fi; nossos Guimarães e seus "moços muito brancos", nossos Machados e seus imortais. Até o porviroscópio. Abraço.

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