terça-feira, 25 de maio de 2010

2077) Os melhores movimentos de câmara (4.11.2009)




(A Arca Russa)

O saite FilmCritc (www.filmcritic.com) gosta de fazer aquelas listinhas dos “dez melhores” a respeito de tudo. Bom passatempo para a gente lembrar filmes vistos há muitos anos, e também para dar mais atenção a detalhes que às vezes passam despercebidos. 

A lista dos “Dez Melhores Movimentos de Câmara do Cinema” me fez parar antes de ler e tentar fazer minha própria lista. O problema com essas listas é que alguns elementos são tão esmagadoramente óbvios que acabam aparecendo em todas. 

Duvido que na lista do FilmCritic não apareça a sequência inicial de A Marca da Maldade de Orson Welles, um complexo travelling percorrendo numerosos ambientes e enquadrando numerosos atores durante um atentado a bomba, e a sequência final de O Passageiro: Profissão Repórter de Antonioni, em que a câmara literalmente atravessa uma janela gradeada e sai de dentro de uma casa.

Há um filme de Hitchcock cujo nome agora me escapa e que mostra à distância um avião voando serenamente entre as nuvens; a câmara (que supomos estar noutro avião que voa ao lado) se aproxima dele, chega a uma janela, atravessa-a, e em seguida segue pelo corredor do avião, mostrando os passageiros em suas poltronas. 

De Hitchcock lembro também o arrepiante recuo da câmara em Frenesi, quando o criminoso ataca a moça e a câmara recua, sai do apartamento, sai do corredor, sai do prédio e estaciona na rua, por entre os ruídos pacatos do trânsito, e só nós sabemos o que está acontecendo por trás daquelas paredes.

Duvido que apareça na lista do FilmCritic algum dos impressionantes movimentos de câmara na mão executados por Dib Lufti em Os Deuses e os Mortos (1970) de Ruy Guerra. Dib empunhava uma das câmaras 35mm daquela época, enormes e pesadas. Há uma cena em que dois sujeitos brigam de faca dentro de uma casa: um deles foge pulando a janela, o perseguidor vai atrás, e Dib pula a janela também de câmara em punho, sem tremer a imagem e sem perder o enquadramento.

Fui consultar o saite, e dos que citei eles lembram apenas o de Orson Welles. A abertura de O Jogador de Robert Altman também é citada, mas faz tempo que vi esse filme e não me lembro dessa longo travelling da sequência inicial (agora vou ter que ir na locadora, pegar, olhar, ver o filme todo até o fim, porque é bom demais...).

O travelling gerou a estética do plano-sequência e gerou inclusive os filmes-sequência, em que não há cortes, como o Festim Diabólico de Hitchcock, A Arca Russa de Alexander Sokurov (2002) e o recente filme brasileiro Ainda orangotangos de Gustavo Spolidoro (2007). 

O que há de mais fascinante nisso é que essa estética abre mão de uma das coisas mais dinâmicas que o cinema tem, que é justamente a montagem, o corte, o picote, a justaposição, o ping-pong de imagens. O travelling longo ou plano-sequência se assemelha àqueles textos literários sem ponto nem pausa, como o monólogo de Molly Bloom no Ulisses ou as Galáxias de Haroldo de Campos.






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