terça-feira, 4 de maio de 2010

1994) 1984 (30.7.2009)



(a 1a. edição)

Uma das coisas mais perigosas ao se fazer uma profecia é dar uma data precisa. É o quanto basta para que nada aconteça. Não sabemos por que motivo Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke escolheram o ano de 2001 para situar sua odisséia no espaço, ou por que George Orwell escolheu 1984 para sua narrativa de um futuro totalitário e repressor. Se for escrever uma história futurista, caro leitor, nunca diga o ano. Certamente quando chegar aquele ano as pessoas vão olhar em volta e dizer que você errou. Use termos vagos como “daqui a algumas décadas...”, “na primeira metade do século 21...” Todos vão olhar em volta e dizer que você está começando a acertar.

George Orwell escreveu duas das fábulas políticas mais devastadoras dos tempos modernos: A Revolução dos Bichos e 1984. O primeiro era uma fábula propriamente dita, com animais no lugar de pessoas, satirizando a Revolução Russa através da história de uma fazenda onde os animais se insurgem contra maus-tratos a que os homens os submetem, revoltam-se e passam a administrar a fazenda. Daí a pouco, alguns animais começam a tomar medidas que só beneficiam a eles próprios. A população reclama: “Êi, vocês não diziam que todos os animais são iguais?!”, e aí vem a famosa frase: “Sim, mas alguns são mais iguais do que os outros”. Bastaria essa frase para explicar, daqui a mil anos, a distância entre teoria e prática na política do século 20.

1984 não é uma fábula, nem é – segundo Isaac Asimov – um romance de ficção científica, embora se passe no futuro. Diz ele que Orwell trata a ciência como um leigo, e suas especulações não resistem a um escrutínio científico. O livro é uma alegoria política sobre os primeiros anos da Guerra Fria, o Stalinismo, a pobreza de recursos e a vida sacrificada das populações européias num continente destruído pela guerra. E, como lembra Robert McCrum num recente ensaio no The Guardian (em: http://www.guardian.co.uk/books/2009/may/10/1984-george-orwell), em que descreve os últimos anos do escritor, lutando contra a penúria e a tuberculose, e esforçando-se para entregar o manuscrito datilografado aos editores, foi também “a obra-prima que matou George Orwell”.

A interpretação corrente sobre o título é que se trata de uma mera inversão do ano em que foi escrito, 1948. Faz sentido. Mas McCrum faz um levantamento de outras obras em que essa data aparece com certo destaque, como The Napoleon of Notting Hill, romance satírico-futurista de G. K. Chesterton, publicado em 1904 e ambientado em 1984. Há quem observe que O Tacão de Ferro (“The Iron Heel”) de Jack London, outro romance futurista, faz o regime ditatorial do futuro subir ao poder em 1984. Também se disse que essa data seria o primeiro centenário de fundação da Fabian Society, entidade socialista britânica que deu origem ao atual Partido Trabalhista. Seja qual for a origem, virou um desses números simbólicos cujo significado foi muito além do momento histórico a que se referia.

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