segunda-feira, 3 de maio de 2010

1990) A emoção do realismo (25.7.2009)




(maquete de Xangai)

Disse Sidney Sheldon, numa entrevista, que um dos aspectos que mais seduziam seus leitores era o realismo de seus livros – por mais mirabolantes que fossem suas tramas de espionagem “light” e de paixões tempestuosas. 

Ele referiu uma carta em que uma leitora dizia estar em tal ou tal país remoto onde ele havia ambientado um dos seus romances. Estava escrevendo aquela carta sentada à mesa de um restaurante que aparecia num trecho importante do livro. E dizia algo como: 

“É tudo exatamente como o sr. descreveu... As mesas, a decoração das paredes, o cheiro da comida, o vento que entra pelas janelas, o modo como a luz do sol ilumina o recinto... Obrigada por esta experiência maravilhosa!” 

E Sheldon concluía dizendo que não havia nenhum mistério nisso, ele tinha rascunhado o capítulo do seu livro justamente numa mesa desse restaurante. “Escreva sobre o que você conhece”, disse, “e outras pessoas acabarão reconhecendo aquilo”.

O episódio de Sheldon ilustra algo que chamo “a emoção do realismo”, aquela comoção súbita que nos assalta quando temos a sensação súbita de ver um pedaço da realidade transportado intacto para o mundo da representação. Ou vice-versa. 

A leitora de Sheldon leu primeiro o livro e depois visitou o restaurante, certamente em busca de confirmação para o que sentira. Talvez, se tivesse ido ao restaurante primeiro, por acaso, nem lhe desse muita atenção, e mal o reconhecesse quando o encontrasse no livro. 

A experiência estética “magnificou”, por assim dizer, a imagem do restaurante, e pelo menos para aquela leitora o tornou mais real. Sem contar que, de quebra, ao sentar no restaurante ela deve ter se sentido, por alguns instantes, “dentro de um livro”. Já experimentei essa sensação, e é muito agradável. Pensamos: “Aquilo que vi no livro existe mesmo, e agora eu faço parte dele”.

O cacife literário do Realismo repousa nesse respeito para com o mundo “daqui de fora”, que afinal de contas é o único que podemos compartilhar e conferir. A mãe de um amigo meu assistia sem muito prazer O Bebê de Rosemary de Polanski, até o momento em que percebeu, no nariz de Mia Farrow, umas pintinhas que – segundo ela – as mulheres grávidas costumam apresentar. Imediatamente afirmou: “Este filme é excelente!”. Sumiu o Diabo, sumiram os satanistas, sumiu o bebê hediondo. Ficou-lhe do filme (provavelmente) apenas aquele detalhezinho realista, única coisa que pôde reconhecer, e que a comoveu.

O arquiteto baiano Assis Reis contou, numa palestra, que durante um projeto de que fez parte mandou construir uma maquete de Salvador, imensa e detalhadíssima, que ficou algum tempo exposta no “hall” do Teatro Castro Alves. E viu uma família humilde, no meio da multidão, localizando ali o morro onde viviam, e alegrando-se em reconhecer a própria casa no meio das demais. 

É a emoção do realismo: o contato com uma obra fantasiosa e minúscula que acaba tornando mais verdadeiro e maior o nosso próprio mundo.





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