Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 1 de maio de 2010
1982) Moiré, o infotografável (16.7.2009)
(Moiré, à esquerda)
Existem pessoas não-fotografáveis, pessoas cuja imagem, por alguma razão, é impossível captar através das câmaras? Um artigo de Lytle Shaw, publicado no Cabinet Magazine (http://www.cabinetmagazine.org/issues/7/ernstmoire.php) diz que era justamente isto que acontecia com o fotógrafo suíço Ernst Moiré (1857-1929). As fotos de Moiré que sobrevivem (e que Shaw reproduz em seu artigo) mostram imagens distorcidas. Uma interferência visual impede que seus traços sejam corretamente captados pelas lentes ou reproduzidos depois no papel fotográfico. Segundo ele, Moiré deu seu nome ao efeito muito conhecido nas artes visuais, em que duas séries justapostas de linhas paralelas produzem um efeito de ondas ou de curvas distorcendo as linhas que as compõem.
Ou teria sido o contrário? O efeito já existia, e Shaw, numa jogada borgiana que hoje já virou lugar comum (eu mesmo a emprego a três por dois) inventou um autor fictício para justificar o nome? Diz ele que Moiré existiu, sim, e que, segundo o governo suíço, um fotógrafo chamado Moiré era considerado, na Suíça dos anos 1920, como impérvio à fotografia, e que esses seus desaparecimentos bizarros tornaram-se uma fonte de orgulho nacionalista. Moiré era louvado, por ser um Ludita anti-tecnológico, pelos membros anti-modernistas da cultura popular suíça, por essa sua “neutralidade visual” que driblava o rigor tecnológico. Diz-se (continua Shaw) que os arquivos municipais de Zurique abrigam uma coleção de fotografias em que aparece uma figura borrada, “ilegível”, que seria em todos os casos o próprio Moiré.
O artigo de Shaw prossegue relatando sua ida a Suíça, financiada pelo “Cabinet Magazine”, sua exumação do passado da família Moiré, e sua descoberta de outros detalhes enigmáticos da vida do fotógrafo, como o fato de que costumava não assinar os próprios documentos, e de que fez várias descobertas técnicas no campo da reprodução fotográfica mas foi incapaz de patenteá-las, sendo sistematicamente ultrapassado por outros pesquisadores que, hoje, figuram nos livros de História. A criação do termo “efeito Moiré” deveu-se a um erro de impressão (placas fotográficas mal alinhadas, produzindo um borrão) num trabalho para o governo; o sócio de Moiré, Willi Ostler, tentou esquivar-se à fúria do contratante dizendo que o defeito de impressão tinha sido culpa de Moiré.
Bem, não posso resumir aqui todo o longo artigo de Shaw. Seja ele verdadeiro ou seja uma “pegadinha” borgiana, o fato é que o tema do indivíduo infotografável foi retomado por Bruce Sterling em sua série de histórias sobre o personagem Leggy Starlitz, uma espécie de herói picaresco do século 21, eternamente envolvido com contrabando, negociatas, espionagem industrial e política. Toda vez que alguém tenta fotografá-lo ou filmá-lo, a máquina enguiça. Por que? O próprio Starlitz não sabe. Pode ser o efeito Moiré: o fato de que o Mito só é visível para a mente.
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