Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
1975) “Spook Country” (8.7.2009)
O romance mais recente de William Gibson mostra que o criador do movimento cyberpunk está cada vez mais longe da ficção científica tradicional, fazendo literatura “mainstream” sobre um mundo transformado pela tecnologia. Gibson não mais escreve sobre realidade virtual, sobre ciberespaço, sobre mentes plugadas nos computadores. Seus personagens continuam sendo fetichistas tecnológicos, mas suas aventuras acontecem “aqui fora”. Spook Country (que tanto pode ser “País dos Fantasmas” como “País dos Espiões”) é um thriller de espionagem em que a tecnologia tem um papel essencial. Não é um livro de ficção científica. É um romance realista sobre um mundo que foi irremediavelmente transformado pela ficção científica e pela ciência.
Como em todo livro de Gibson, os capítulos se alternam em linhas narrativas convergentes. São três grupos de personagens, que não interagem entre si, mas fazem parte, todos, da mesma história. De vez em quando, seguindo a linha narrativa “A”, temos um vislumbre dos personagens da linha “B”, vistos através dos olhos daqueles. Pouco a pouco, vai se desenhando uma trama. Algo está para acontecer. Alguns personagens trabalham para que aconteça, e outros trabalham para evitá-lo. Alguns deles têm um papel importante na trama mas não têm uma compreensão geral do que está havendo, e em geral são estes que servem de pontos-de-vista para Gibson. O leitor os acompanha, e compartilha suas descobertas, perplexidades e revelações.
Um dos “gimmicks” mais gibsonianos deste romance é a Arte Locativa, uma mistura de realidade virtual com GPS. Os artistas produzem um programa que superpõe imagens a uma paisagem real qualquer; estas imagens só podem ser vistas com um sistema de capacete e óculos especiais, com uma antena que recebe e transmite coordenadas GPS via satélite. Indo numa determinada praia de Los Angeles, o espectador coloca o capacete, liga o botão... e vê o corpo de uma Estátua da Liberdade emergindo das águas. Essa imagem só é visível para quem esteja precisamente naquelas coordenadas: mesmo com o capacete, se o observador se afastar dali algumas dezenas de metros deixa de receber o sinal, a obra deixa de ser visível.
Num dos primeiros capítulos, um personagem diz: “Tudo começou em 1o. de maio de 2000. O governo desligou o sistema de Disponibilidade Seletiva, e as coordenadas de GPS, do posicionamento global por satélite, ficaram pela primeira vez ao alcance de qualquer civil.” O resultado mais prático disto é já termos, por exemplo, táxis com aquele pequeno visor onde aparece um mapa mostrando onde estamos e para onde estamos indo. Rastreamentos desse tipo aparecem o tempo inteiro em “Spook Country”, o que leva um personagem a dizer que “o ciberespaço está sendo virado pelo avesso”, ou seja, ele não reside mais “lá dentro”, mas ajuda as pessoas a navegarem “aqui fora”, e se superpõe (como na Arte Locativa) às próprias imagens que enxergamos com os olhos.
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