segunda-feira, 19 de abril de 2010

1930) As cidades intangíveis (16.5.2009)




Há uma piada antiga em que dois portugueses estão lá no interiorzão do Alentejo discutindo distâncias. Um deles diz que o lugar mais distante que existe é Lisboa. O outro aponta a Lua e diz: “Não, a Lua é mais longe”. E o primeiro: “Claro que não é. A Lua eu posso enxergar, e Lisboa está tão longe que eu não vejo”. 

Como seria nossa visão do mundo se só pudéssemos acreditar na existência de lugares que vemos com os nossos olhos? 

Eu nunca fui ao Paquistão, mas as provas da existência do Paquistão são convincentes. Acredito, mas por uma questão de fé, porque são afirmações alheias que não posso comprovar pessoalmente. Mas são informações tão numerosas, ordenadas, e coerentes entre si que é mais simples admitir que o Paquistão existe mesmo do que imaginar que a Humanidade inteira criou essa vasta conspiração para... para quê?

O fato de que já fui a Lisboa e nunca fui a Monteiro, portanto, não desnivela meu senso de realidade sobre as duas. Para mim são igualmente reais e concretas, mesmo que num caso eu tenha obtido provas empíricas abundantes, e no outro esteja apenas me fiando em informações de apologistas. 

Sabemos conviver com essa dualidade, mas sempre que chegamos numa cidade pela primeira vez (existe emoção maior?) há uma espécie de alívio. “Ah, agora sim. Existe mesmo”.

A escritora russa, radicada nos EUA, Ekaterina Sedia ilustra essa situação com bom humor. 

Eu passei meus primeiros vinte anos atrás da Cortina de Ferro, onde a gente não tinha esperanças de conhecer nada fora do país. Lendo Victor Hugo, eu pensava: ‘Nunca vou conhecer Paris. É como se fosse uma cidade numa romance fantástico’ Fiquei estupefata quando descobri que Nova York existia de fato! Para mim, a maior parte da geografia mundial era fantasia.

É como a neurose compulsiva das pessoas que abrem de dez em dez minutos o armário para ver se as roupas continuam lá; ou como os namorados, que perguntam: “Você me ama?” – “Mas claro, falei que te amava, há dois minutos...” – “Me amava há dois minutos, mas, me ama agora?”. Creio que tudo vem daquela época da infância em que o bebê vira a cabeça e, ao ver a imagem da mãe sumir do seu campo visual, acha que ela deixou de existir, e abre o berreiro.

Nossa consciência cria o mundo ao percebê-lo. Como naqueles video-games em que o personagem é visível no centro de um espaço de uns cem metros, e o horizonte se perde em brumas indistintas. Quando ele caminha em qualquer direção, a paisagem distante surge, magicamente, estimulada pela sua presença. Ou como já disse Philip K. Dick: 

Eles constroem apenas as partes do mundo necessárias para dar a ilusão de que ele é real. É um projeto de baixo orçamento. Países como Japão, ou Austrália, na verdade não existem. Não há nada, ali. A não ser que a gente decida viajar para lá, e neste caso eles constroem tudo às pressas, todo o cenário, os prédios, e as pessoas, a tempo de estarem lá na sua chegada. Têm que trabalhar muito rápido.



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