Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 13 de abril de 2010
1905) O livro de Sivuca (17.4.2009)
Sivuca foi um dos maiores sanfoneiros do Brasil. A palavra “sanfoneiro” perdeu (espero) o tom levemente depreciativo que já a cercou, e isto se deve em grande parte a Sivuca, Dominguinhos, Oswaldinho e muitos outros mestres que mostraram que um sanfoneiro pode ser um músico tão completo e tão complexo quanto um pianista. Mesmo assim, foi como sanfoneiro que ele caiu no gosto e na memória do povo, principalmente na Paraíba; é com esse termo informal e próximo que nós da imprensa nos referimos ao músico de tantos talentos e tantas surpresas.
Hoje às 21 horas, no Espaço Cultural, será lançado num concerto da Orquestra de Câmara da UFPB, com Toninho Ferragutti como solista convidado, o álbum com partituras da obra sinfônica composta por Sivuca, É uma obra que a maioria dos paraibanos (eu incluído) desconhece. Desconhece porque as apresentações ao vivo foram raras, e porque o CD em que registrou a maioria delas (Sivuca Sinfônico, com o maestro Osman Gioia e a Orquestra Sinfônica do Recife) não se encontra com facilidade nas lojas nem é apregoado pelos ensurdecedores carrinhos-de-mão que vendem CDs piratas do Bessa ao Cabo Branco. É, em vários sentidos, uma obra rara.
Reza a lenda que Miles Davis teria escrito certa vez uma carta a Sivuca agradecendo-lhe por ter mostrado a ele que a sanfona era um instrumento musical tão sério e rico em possibilidades quanto qualquer outro. Para nós, isso passa como uma certa ingenuidade e desinformação do grande jazzista, mas é compreensível quando pensamos que nos EUA a sanfona é ainda mais marginalizada do que no Brasil, sendo apenas um instrumento acessório nas músicas “cajun” e “zydeco” na Louisiana. Ainda assim, os americanos produziram grandes mestres do instrumento, e Dominguinhos, por exemplo, já reconheceu sua dívida para com músicos como Tommy Gumina e Art Van Damme.
Um dos números mais pitorescos e mais aplaudidos dos shows de Sivuca era aquele em que ele executava “Vassourinhas” em estilo escocês, árabe, russo, argentino, etc. Apenas com a sanfona e a voz, ele fazia um “photoshop” étnico e sonoro no frevo. Era o seu lado popular, brincalhão, de menino risonho e vaidoso das próprias façanhas. O outro lado é o Sivuca meticuloso e erudito que transparece neste álbum, que inclui também arranjos seus para grupo de câmara incluídos no disco Sivuca e Quinteto Uirapuru e no DVD O Poeta do Som.
Sivuca foi a vida inteira um desafio e um questionamento à divisão entre música erudita e música popular. Divisão das mais incoerentes, porque lida com critérios heterogêneos. Se o critério fosse o grau de absorção, pelo músico, da “norma culta” musical, deveríamos dividir a música, talvez, em música erudita e música espontânea. Se fosse a origem social da forma praticada, deveríamos falar em música aristocrática e música popular. Sivuca é uma das muitas provas de que é possível ser de origem popular e alcançar o universo erudito, e vice-versa.
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