Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 9 de abril de 2010
1888) A arte do duelo (28.3.2009)
Nos diários de sua convivência com Jorge Luís Borges, intitulados Borges, à pag. 223, Adolfo Bioy Casares conta a comparação feita pelo seu colega entre dois tipos de duelos praticados nos EUA no século 19 (ou na literatura do século 19, uma vez que os exemplos vêm de livros de Mark Twain e Julio Verne).
O primeiro exemplo é o que Twain chama de “duelo à californiana”. Dois indivíduos se insultavam mutuamente e se juravam de morte. Quando se defrontavam, geralmente num “saloon”, o mais rápido puxava a arma primeiro e alvejava o outro, que também sacava a sua e se defendia da melhor maneira possível. Diz Borges: “As baixas, às vezes, não se contavam entre os duelistas”.
É o duelo tradicional que o filme de far-west refinou até produzir aquela cena clássica que na vida real terá ocorrido muito poucas vezes: os dois inimigos, frente a frente, na rua vazia (todo mundo está do lado de dentro, colado às janelas, espiando), caminham na direção um do outro.
A sutileza deste tipo de duelo nasce da presunção de que quem puxa a arma primeiro está ameaçando o outro de morte, portanto o outro tem o direito de matar em legítima defesa. Cada um tem que esperar que o outro saque primeiro, e espera ser rápido o bastante para atirar (e acertar) primeiro.
O outro tipo, chamado por Julio Verne de “duelo à americana”, é travado no capítulo 21 de Da Terra à Lua, entre Barbicane e Nicholl. (Li o livro há 40 anos e francamente não recordo esta cena.) Borges diz que nunca viu menção a esse tipo de duelo em outros autores, e especula se não será uma invenção de Verne.
Nesta modalidade, dois homens que se juram de morte embrenham-se num bosque, como caçadores, levando consigo armas, munição, mantimentos. Caçam-se por vários dias: “dormem, com muitas precauções, perseguem-se, evitam-se, despistam um ao outro, armam emboscadas até que um dos dois consegue surpreender o outro e matá-lo”.
É este último tipo de duelo que me parece, hoje, mais rico de possibilidades dramatúrgicas do que o velho face-a-face do faroeste.
Basta lembrar Enemy at the Gates (2001), o filme de Jean-Jacques Annaud em que Jude Law e Ed Harris são dois atiradores de elite durante a II Guerra (um soviético, o outro nazista) que se perseguem mutuamente.
Há também o curioso e um tanto excêntrico filme de Ridley Scott Os Duelistas, ambientado na época de Napoleão, em que Harvey Keitel e Keith Carradine são dois oficiais que se detestam e, sempre que se cruzam, às vezes com anos de intervalo, desafiam-se mutuamente para um duelo à espada.
O “duelo às claras”, o confronto clássico do faroeste, é rápido. Exige uma longa preparação, e uma tensão que se avoluma, mas tipicamente se resolve em alguns segundos. Somente alguns casos raros, como o famoso duelo no Curral OK, podem ser explorados em longas sequências. O duelo às escondidas, com seu jogo de gato e rato, suas alternativas, pode render filmes ou romances inteiros.
Bráulio, lendo o último parágrafo, lembrei-me do filme que, no Brasil, se chamou Jogo Mortal, e trazia no elenco Lawrence Olivier e Michael Caine.
ResponderExcluirDuelo na trama e entre os intérpretes.
Sem esquecer Charles Bronson e Henry Fonda no impressionante Era uma Vez no Oeste, de Sergio Leone, em que o duelo final complementa as várias passagens de disputa em um Oeste em vias de desaparecer.