Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 8 de abril de 2010
1886) Os deserdados de Deus (26.3.2009)
(Praça de São Pedro, Vaticano)
Há pouco tempo a Igreja Católica criou uma polêmica do nada quando um bispo anunciou a excomunhão das pessoas responsáveis pelo aborto de uma menina de 9 anos, estuprada e grávida de gêmeos. A reação geral foi tão forte que autoridades mais elevadas apressaram-se em conciliar e a dizer que não era bem assim. Agora, o Papa, em visita à África, diz que a distribuição de camisinhas não apenas não detém a Aids, como pode contribuir para sua disseminação.
Eu tenho uma relação de respeito e impaciência com a Igreja Católica. Não sou cristão, mas fui criado na cultura cristã, como a maioria dos brasileiros, e me sinto no direito de dar palpite – assim como não sou filiado a nenhum partido político mas dou palpite na condução do país. (É, aliás, algo que essas instituições têm em comum: uns acham que só se chega a Deus através de uma igreja organizada, outros acham que só se faz política através das máfias partidárias.) Acho o Cristianismo muito deficiente em explicar a origem do Universo e da vida; neste aspecto, o que a Ciência diz me parece mais próximo da verdade, embora, por definição, saibamos que jamais saberemos.
A melhor coisa do cristianismo é o seu humanismo, sua valorização da pessoa em si, o seu senso de fraternidade, de que somos todos iguais e estamos todos juntos, e que, como já disse o ateu Bertolt Brecht, “ninguém no mundo será livre enquanto existir uma só pessoa presa”. Surgindo no meio da arrogante e cruel cultura romana, o cristianismo primitivo pegou o que havia de melhor nos humanismos anteriores e criou uma mistura tão forte que resiste até hoje.
Esses problemas que o Vaticano agora enfrenta resultam da maneira errada com que a Igreja encara o sexo. Foi um conjunto de decisões estratégicas tomados há mais de mil anos, mas que vêm apartando a Igreja, cada vez mais, da direção em que vai o mundo. O celibato dos sacerdotes é uma dessas decisões. Se eu fosse cristão, viveria em crise espiritual 24 horas por dia, porque a Igreja defende idéias que considero não apenas erradas, mas catastróficas do ponto de vista social. O cristianismo herdou muito do patriarcalismo puritano da cultura hebraica. O mundo está indo noutra direção, uma direção que me parece mais saudável.
A Igreja não sabe lidar com o sexo e com os assuntos correlatos (virgindade, uniões civis, opções sexuais, controle da natalidade, doenças venéreas). Já ouvi muitos cristãos sinceros dizerem: “Eu desobedeço ao que minha Igreja manda fazer, porque acho que a Igreja está errada. Deus está vendo tudo e sabe que a decisão moralmente mais correta é esta.” O que é uma pena, porque é justamente nesse aspecto da vida sexual e das decisões morais concernentes ao sexo que a Igreja está erodindo todo o humanismo que ela mesma criou em dois milênios. Ela praticamente inventou o espírito de fraternidade e de caridade que nos salva; e suas decisões sobre o universo do sexo, a cada década, a afastam desse espírito.
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