Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 4 de abril de 2010
1866) “Menino de Engenho” (3.3.2009)
Este filme de 1965 continua a ser um dos melhores da obra de Walter Lima Jr. e um dos melhores de todo o Cinema Novo. Também podemos colocá-lo entre as melhores adaptações literárias feitas pelo nosso cinema. O fato do filme de estréia de um diretor de 27 anos ter conseguido tudo isto deve-se a uma feliz combinação de circunstâncias. Primeiro que tudo, à adequação entre talento e material, que é importante em qualquer obra de arte, ainda mais no cinema, arte industrial em que a necessidade de certo material se sobrepõe às possibilidades de um talento. Há diretores extremamente talentosos que passam a vida inteira desperdiçando a si próprios em projetos que não são os mais adequados para sua visão do mundo, ou seu estilo de trabalhar, ou suas obsessões pessoais, seu modo de tratar a linguagem do cinema, etc. Fazem isto, uns, pressionados pela necessidade de sobrevivência; outros, pressionados pela ansiedade em seguir a moda. Querem imitar os filmes que estão fazendo sucesso de crítica, mas com os quais eles não se identificam (e só o percebem quando é tarde demais).
No caso de Walter e do “Menino”, aconteceu justamente o contrário disso tudo. Parece que houve uma identificação imediata entre o assunto e o ambiente do filme e a sensibilidade dramatúrgica e fotográfica do diretor. Os enquadramentos clássicos e imponentes da ótima fotografia de Reynaldo Paes de Barros parecem reproduzir um ritmo de vida de muita grandeza e pouco dinamismo. Tudo é se passa como se aquilo fosse o centro do mundo, e no entanto o tempo parece congelado num eterno presente, levemente defasado em relação a um mundo de fora que só percebemos em raros momentos (a visita dos industriais da Usina, a chegada das primas de Recife).
Este filme pertence a uma vereda do Cinema Novo que eu classificaria (elogiosamente) de Novo Cinema Velho. Foram filmes que trouxeram pela primeira vez (ou trouxeram de volta, em alguns casos) para o cinema brasileiro virtudes clássicas da narrativa, da imagem filmada, da interpretação do mundo. Devemos lembrar esse Novo Cinema Velho porque ele ficou um tanto oculto pelo Cinema Novíssimo praticado principalmente por Glauber Rocha em sua trilogia principal, e depois dele por um exército de diretores que procuraram segui-lo, mesmo quando seu temperamento os aconselhava a praticar outro estilo.
O Novo Cinema Velho tem obras notáveis como O Padre e a Moça de Joaquim Pedro, Vidas Secas de Nelson Pereira, Augusto Matraga de Roberto Santos, etc. Filmes que ninguém chamaria de vanguarda no sentido revolucionário, godardiano, que este termo tinha na época. Mas eram vanguarda, porque traziam ao nosso cinema virtudes antigas mas quase inéditas. Austeridade de Bresson, lirismo de Humberto Mauro, humanismo de Renoir, impulso épico de Ford... Um Novo Cinema Velho que ligou o Brasil daquela época com o passado, e que torna certos filmes (como este) incorruptíveis pelo tempo.
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