Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 31 de março de 2010
1851) A narrativa pré-moldada (13.2.2009)
Quando um tipo de narrativa é repetido ao longo de décadas, de séculos, algumas de suas partes começam a se cristalizar, a se tornar quase obrigatórias. O público as espera, e o narrador, que também é público, espera de si mesmo o ritual de repeti-las. Isto vale para gêneros formulaicos como o conto policial, de terror, etc. O leitor pouco afeito a esses gêneros queixa-se: “A fórmula é sempre a mesma! Quem lê um, leu todos”. Admite, no máximo, que há variações entre os textos. Sua descrição não difere muito da descrição que um fã faria. Ambos concordam sobre o que acontece ali (reiteração de efeitos já conhecidos, com uma pequena margem de novidades), só que um gosta justamente disto, e o outro não.
O cinema comercial, mais formulaico que qualquer gênero literário, é feito de blocos de cenas assim. Há sub-seções dos estúdios encarregadas de preparar essas cenas, sob a supervisão do diretor do filme. São as chamadas equipes de “segunda unidade”: o pessoal que faz a Perseguição de Automóveis, o pessoal que faz o Baile no Palácio Imperial, o pessoal que faz a Transformação em Lobisomem... Cada tipo de filme tem algum desses blocos, e uma equipe inteira que já sabe como fazê-los. Vêm sendo feitos, com lentíssima evolução, há cem anos.
Na literatura, esses blocos também ocorrem. O romance policial clássico sempre tem como uma de suas últimas cenas a Reunião dos Suspeitos, todos trazidos pelo detetive e agrupados numa sala enquanto Hercule Poirot (Ellery Queen, Philo Vance, etc.) rememora as circunstâncias do crime, expõe as pistas, indica os raciocínios falsos e os becos sem saída. E por fim propõe a hipótese final,o raciocínio certo que demonstra que o criminoso é... VOCÊ! Com essa revelação bombástica, o acusado às vezes tenta dar uma desculpa esfarrapada, outras vezes pula pela janela, ou saca de uma arma e alveja o próprio peito... É uma cena clássica. Alguém (sei lá, Otto Penzler, Bill Pronzini, algum desses antologistas de mão cheia) devia preparar uma antologia desses capítulos, extraídos de romances clássicos (e precedidos, claro, por introduções explicando o crime e todo o contexto anterior). Daria um delicioso e desfrutável volume de umas mil páginas.
Filmes de faroeste têm cenas pré-moldadas típicas: a Perseguição Pela Campina; o Ataque dos Índios (à Diligência, aos Carroções, ao Forte); o Duelo na Rua Principal; a Briga no Saloon. Os filmes de ficção científica renovam seu repertório de acordo com a influência dos clássicos. Os filmes de FC até 1950 eram econômicos em mostrar o vôo de espaçonaves, discos voadores, etc. Mostravam o mínimo necessário para dar a informação, e cortavam antes que o espectador percebesse a precariedade dos efeitos. Depois de “2001”, uma cena pré-moldada é o baile das espaçonaves tendo ao fundo planetas em contraluz; depois de “Star Wars”, virou obrigatória a cena das espaçonaves se metralhando umas às outras, como bimotores da I Guerra Mundial.
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