Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 27 de março de 2010
1832) O algoritmo Dylan Thomas (22.1.2009)
(Dylan Thomas)
Os surrealistas franceses foram talvez os primeiros poetas a tentar produzir poemas ao Acaso. Um dos seus jogos preferidos era o “cadáver delicado”, em que frases eram escritas aos pedaços, por diferentes pessoas, cada uma sem saber o que as demais tinham escrito. Produziam frases que para mim são de uma estranha beleza: “O cadáver delicado beberá vinho novo... A ostra do Senegal comerá o pão tricolor…” Vale como experiência e como passatempo, mas não pode ser um sistema para a produção constante de poesia.
A poesia de Dylan Thomas, o poeta galês, é extremamente rica, difícil, obscura, marcada por imagens surpreendentes, alusões às vezes inacessíveis, e um vocabulário muito específico. Talvez por causa desta última característica um grupo de fãs (ou de críticos sarcásticos, nunca se sabe) criou um “gerador automático de poemas de Dylan Thomas”. Você clica, e segundos depois aparece na tela um poema que poderia (?) ter sido escrito por Thomas. No dia em que acessei o saite (em: http://tinyurl.com/yklnehr) o poema que estava na tela era: “I slept heartily / By the goosefield of the truant boy / Laughing mildly on the invisible leaves / On thoughts of tides / Where bones lie proudly / And all the patchwork birds burn and walk”. Não traduzirei. Eu não consigo traduzir o Thomas de verdade, quanto mais um ghost-writer cibernético que escreve em seu nome.
A brincadeira consiste na criação de dois bancos-de-dados, um com o vocabulário característico do autor (algumas centenas de substantivos, adjetivos, verbos, advérbios, preposições, etc.) e outro com suas estruturas sintáticas preferidas, além dos padrões rítmicos (alternância de linhas longas e curtas, etc.). Quem faz esse banco não é o computador, claro. O computador é uma máquina burra. Quem faz são pessoas que entendem de literatura, conhecem a obra do poeta, conhecem os mecanismos de composição literária. Esse papo furado de que “o computador está escrevendo poesia” é balela. O baralho todo é criado por pessoas; o computador apenas traça o maço e escolhe algumas cartas.
É complicado? Não acho. Um amigo meu, Harry Ingham, que não era programador de informática nem nada, escreveu um programazinho chamado “Pim” que gerava poemas dessa forma. Podíamos mudar o banco-de-dados, por exemplo, para substituir as palavras “poéticas” (nuvem, sorriso, flor, etc.) por palavrões ou por palavras absurdas (ornitorrinco, moringa, caduceu...) e os resultados eram sempre interessantes.
Falei em ghost-writer, e isso me lembra que os tais poemas psicografados por médiuns espíritas não são muito diferentes. Conhecendo o vocabulário, os temas e os padrões sintáticos típicos de um poema, é muito fácil produzir centenas de sonetos de Cruz e Souza ou Augusto dos Anjos. Quanto mais típico, quanto mais diferente dos outros é um autor, mais fácil imitá-lo. Qualquer paródia acaba ficando parecida com o original.
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