sexta-feira, 26 de março de 2010

1828) “Imagens do mundo visionário” (17.1.2009)



Este curioso filme realizado em 1964 por Henri Michaux e Eric Duvivier não é filme surrealista, não é documentário, não é filme de vanguarda e não é filme científico, embora tenha um pouco de tudo isto. Em 1963, o departamento de cinema do Laboratório Sandoz, na Suíça, resolveu produzir um filme educacional que ilustrasse para o grande público os efeitos produzidos pela mescalina e pelo haxixe. O Sandoz era o laboratório onde o LSD foi sintetizado pela primeira vez, em 1938.

Para isto, foi contactado Henri Michaux (1899-1984), poeta, escritor, conhecedor em primeira mão de drogas alucinógenas. Michaux foi também um grande viajante no sentido físico da palavra, tendo percorrido todo o Oriente, a África e a América Latina. Diz-se que chegou ao Brasil em 1939 e aqui ficou por dois anos. Coube-lhe escrever um roteiro a partir de suas experiências, e a filmagem ficou por conta de Eric Duvivier, um documentarista com centenas de filmes curtos, muitos deles sobre temas psiquiátricos.

O filme resultante pode ser visto no saite UbuWeb, em: http://www.ubu.com/film/michaux_images.html. São 38 minutos de imagens desconexas acompanhadas por música dissonante. Não sei se correspondem de fato ao que se sente sob efeito da mescalina e do haxixe (o filme é dividido em duas partes bem diferentes entre si). Os efeitos visuais e a sucessão aleatória de imagens lembram os filmes da vanguarda francesa dos anos 1920-30, como Entr’Acte de René Clair ou Retour à la Raison de Man Ray. Na parte da mescalina predominam os efeitos de prismas colocados diante da objetiva da câmera. Na parte do haxixe, sucedem-se alguns quadros impressionantes que lembram experiências de Buñuel ou Germaine Dulac: o corpo de uma mulher coberto de lama, que surge diante da câmara como uma cordilheira; uma casa em cima da qual erguem-se andaimes precários, onde homens de terno preto e cartola examinam documentos, sendo que um deles sobe e desce entre um “andar” e outro por um elevador rústico; uma espada flutuando no ar e decapitando um homem, cuja cabeça passa a sobrevoar os bosques em cima de um tapete mágico.

Algumas imagens são típicas cenas moralizantes dos filmes educativos sobre drogas. As duas partes do filme são introduzidas por imagens de um homem desnorteado, de olhos erráticos, cambaleando pela sala, apalpando o próprio rosto. Deduz-se que todas as cenas que se seguem são visualizações do que se passa em sua mente sob o efeito das drogas. Imagens do mundo visionário parece-se com os filmes da vanguarda francesa que Duvivier (nascido em 1928) certamente assimilou durante sua juventude de cinéfilo. A ligação entre vanguarda narrativa e drogas surge com frequência na literatura. Este filme “careta” e imprevisível tem um resultado certamente diverso do que foi pretendido pelos produtores, e talvez somente sua origem “oficial”, encomendada, o mantenha ignorado pelas Histórias do Cinema.

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