Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 21 de março de 2010
1808) Natal 2008 (25.12.2008)
(A Máquina de Escrever as Horas, em http://bit.ly/9zDdxe)
...lá vem outro Natal, lá vem chegando,
trazendo em si verão, e sol caliente.
E nas ruas a azáfama da gente
superlota as calçadas da cidade.
Mais um ciclo venceu a humanidade,
outra volta no céu deu o planeta;
quem me dera uma Pedra de Roseta
pra poder decifrar esse mistério!
Mas a Voz do Destino, em som estéreo,
me desanda a falar em outro ritmo.
“Jamais entenderás o logaritmo
que leva o mundo a produzir seus fatos,
por complexos que são, por inexatos,
por sutis disfarçados de absurdos.
Se o Cosmos fosse um som, seríeis surdos;
se fosse só de Luz, cegos sem guia.”
Assim a Voz, pausada, proferia
os seus vagos, randômicos conselhos,
e eu cá, coçando em ócio os meus... cabelos,
matutava nos prós de dar-lhe ouvidos.
Pois, vede: se são cinco os meus sentidos,
e cinqüenta milhões meus sentimentos,
turbilhões de conceitos, pensamentos,
e as intrincadas variantes suas;
se meu corpo é um só e as mãos só duas,
que posso ambicionar de transcendência?
Tenho só o alfabeto da Ciência,
e as sílabas que armei até agora
esclarecem bem pouco do Lá Fora
deixando intacta a treva do Aqui Dentro...
Pois nenhum homem vislumbrou seu centro,
nenhum soube quem é, nem onde está.
Que voz, pergunto, me iluminará,
que resposta terei deste Universo,
a não ser a que eu mesmo esboço em verso?
Logo eu, imprudente escafandrista
que mais desce onde menos chega a vista,
e plunge vertical dentro de abismos
guiando-se com a lâmpada dos Ismos,
luz que transforma em si tudo que toca.
Minha voz não dá trégua, exige, invoca,
dialogando em vão com a Voz Alheia,
que mais que a minha é sonorosa e cheia
e em ser só voz só fala e não me escuta.
Como posso prevalecer na luta
com os circundantes ecos de mim mesmo?
Prossigo, a custo, à força, à balda, a esmo,
pelo bruto prazer do Ser-em-Si
que na cruz do Agora com o Aqui
arde, e produz um som que diz “Eu Sou”.
Quatro horas! A tarde já passou.
E o que fiz deste dia? Algumas linhas.
Poucas, vácuas, efêmeras... mas minhas.
São o que vim dizer, e estou dizendo.
E a esfera armilar, resplandecendo,
baila solta no espaço sideral.
Estrelas com prefixo sempre em “al”
e uma luz mais antiga do que a Terra
já brilhavam em vão quando na Serra
abri meus olhos, recolhi seus fótons.
E os cientistas aceleram prótons.
E o Mercado a comer trilhões de zeros.
E nos quintais do mundo os mesmos Neros,
queimando as Romas e tangendo as liras.
E o celofane a embrulhar mentiras,
e o Photoshop a igualar os rostos,
e o gosto-médio a nivelar os gostos,
neste imenso Brasil desperdiçado:
um refém do Partido e do Soldado,
vampiro às custas do seu próprio sangue.
São fogos de artifício ou bang-bang
este som que me vem daqui do morro?
E esses gritos, de gol ou de socorro?
Que sei eu deste Rio e seu futuro?
(E esta dor, que não passa, e que não curo?
E este amor, que me salva e não entendo?)
E o fim do ano volta, e vem trazendo
tudo quanto esquecemos que já trouxe.
Cumpriu-se a espiral, e adelgaçou-se
o tecido do Tempo. Mas é quando...
Maravilha de texto, Bráulio! Versos decassílabos dispostos em formato de prosa... Lindo!
ResponderExcluirAchei engraçadíssima a sutil "autocensura" - "e eu cá, coçando em ócio os meus... cabelos"
Cabelos em lugar de pentelhos, haha.
Abraço!
Ah, esqueci de comentar. E o caráter circular do texto é sensacional... Fim e início encaixando-se perfeitamente, até no som...
ResponderExcluirParabéns!
OK, Wedmo, obrigado. O texto é concebido para ser circular. A descrição desse formato seria algo como: ABBCCDD...ZZA. Ou seja, os versos rimam emparelhados, só que o primeiro vem sozinho, para que o último emparelhe com ele. É uma adaptação minha a partir do Martelo Agalopado dos repentistas nordestinos.
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