Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 16 de março de 2010
1794) Paraíso Decorado (9.12.2008)
(John Basinger)
O único poema épico clássico que já li do começo ao fim foi Os Lusíadas. Estou em dívida com Homero, Dante, Virgílio e muitos outros, entre eles o grande John Milton, autor do Paraíso Perdido (“Paradise Lost”), um clássico da literatura inglesa que para mim irá melancolicamente justificar seu título, pois nunca o lerei. Minhas prioridades são outras, não sei se há traduções confiáveis, e não me atrevo a enfrentá-lo no original. O poema se divide em doze partes, ou doze “Livros”. Não consegui saber sua extensão total, mas a Wikipedia afirma que o Livro mais longo é o IX, com 1.189 linhas, e o mais curto é o VII, com 640.
Pois há um herói chamado John Basinger que está anunciando uma performance do texto completo do poema de Milton. Não uma simples leitura, mas um recital de cor. Ele memorizou o texto integral do poema, e pretende recitá-lo numa única sessão neste mês de dezembro, que marca o 400o. aniversário do nascimento de Milton. (Mais informações, inclusive clips dos ensaios de Basinger, podem ser obtidas em: www.paradiselostperformances.com).
O recital de um poema longo é sempre uma façanha. Aqui no Rio de Janeiro, há cerca de vinte anos, o poeta Tite de Lemos costumava fazer recitais da “Tabacaria” de Fernando Pessoa. Segundo os que os assistiram, eram uma experiência notável, pela intensidade da interpretação. Mas a “Tabacaria” é – comparado ao “Paradise Lost” – um poema relativamente curto. Como ter na mente milhares de versos, e, pior ainda, como ser capaz de dar a cada um deles o peso, a força, a emoção, as nuances que um recital de um texto clássico exige?
Milton compôs seu poema depois dos cinquenta anos, quando já estava completamente cego. Concebia os versos mentalmente e depois os ditava a um escriba, método que outros poetas cegos (como Jorge Luís Borges e Glauco Mattoso) também utilizaram, por ser o mais prático. Mas mesmo Milton certamente não sabia o poema de cor. Memorizá-lo é uma façanha e uma prova de amor à literatura, ou pelo menos àquela obra literária específica. Ao que se diz (em: http://www.hartfordadvocate.com/article.cfm?aid=10298) Basinger vem decorando o poema há quinze anos, e nos últimos tempos tem repassado um “Livro” de cada vez, todos os domingos, diante de uma platéia, preparando-se para o recital da obra inteira, que ele espera começar às 9 da manhã e terminar às três da madrugada seguinte.
Aos 74 anos, Basinger insiste em que existe uma grande diferença entre ler um poema e recitá-lo de memória, e eu concordo. Pegar um livro e ler significa que você tem admiração por aquele texto. Mas sabê-lo de cor, dedicar a ele semanas, meses e anos de vida, até martelá-lo para dentro da memória, linha por linha, estrofe por estrofe, é uma prova de amor e de devoção que se encontra muitas vezes no teatro, mas nem sempre na literatura. Eu aguentaria assistir as 18 horas de um recital assim? Não sei. Será que eu não amo tanto assim a literatura?
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