Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 12 de março de 2010
1779) A palavra “aventura” (21.11.2008)
Sempre me foi difícil explicar o que seria o “romance de aventura”, um desses gêneros literários que a gente sabe intuitivamente o que é, mas não consegue definir com precisão científica. Não é fácil dizer o que têm em comum clássicos do gênero como A Ilha do Tesouro de Stevenson, As Minas de Salomão de Haggard, Robin Hood de autor anônimo, Cinco Semanas num Balão de Julio Verne, Os Três Mosqueteiros de Dumas, Scaramouche de Rafael Sabatini, Na Terra do Mahdi de Karl May...
Um dia uma voz me segredou: “Procure na etimologia. Qual era o significado mais antigo, o que fez surgir a palavra?...” Meu Dicionário Houaiss lista uma porção de fósseis linguísticos e chega ao latim, com o verbo “advenire”, que quer dizer: “chegar, sobrevir”. Vejam bem, trata-se de algo que “ad + vem”, algo que se aproxima de nós, que vem na nossa direção. Aventura é qualquer situação em que não somos totalmente donos do nosso destino, em que nos submetemos ao imprevisto, ao que não podemos controlar, ao que pode nos advir a qualquer momento.
A palavra contém também “ventura”, cujo sentido mais imediato é “boa sorte”. Dizemos: “Tive a ventura de nascer numa família de bons princípios...”, não é mesmo? “Ventura” também tem origem no verbo latino “venire”, vir. São as coisas que vêm até nós, tudo que nos advém, que nos sobrevem. (E a esta altura da Reforma Ortográfica já não sei se tais verbos se acentuam ou não). Mas “ventura”, no sentido de sorte, parece vir (mesmo que não venha) de alguma raiz latina de onde nos vem a palavra “vento”. Porque o vento é uma das mais antigas imagens do imprevisível, do que muda sem avisar, do que pode ser favorável num instante e desfavorável no outro, tudo de que dependemos (se somos navegadores antigos, em barcos à vela, trirremes, caravelas, galeões, jangadas) para viver ou morrer.
Viver uma aventura significa estarmos expostos aos ventos, dependentes de forças além da nossa vontade, do sopro de deuses invisíveis que podemos apenas cortejar, engambelar com sacrifícios, subornar com orações. A aventura é essa corda-bamba entre nosso livre arbítrio e um Destino imprevisível e indecifrável. E significa (porque a palavra tem raízes também em “venturum”, vindouro, fato futuro, fato que ainda não aconteceu) estar à mercê de um futuro que talvez já exista, um Destino que esteja vindo ao nosso encontro sem que ainda possamos saber do que se trata.
O romance de aventura se constelou em torno de imagens (balões, piratas, perseguições, espadachins, cavalgadas, tiroteios, viagens, expedições a lugares remotos) que dizem respeito às sociedades e culturas em que foi criado e escrito. No sentido mais amplo, contudo, romance de aventura é todo aquele no qual o autor nos transporta para um mundo onde tudo é possível, qualquer coisa pode acontecer. Um mundo (é curioso!) mais parecido com a vida, cada vez mais imprevisível, do que com a literatura, hoje tão convencional.
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