quarta-feira, 10 de março de 2010

1772) O leitor enroscado no sofá (13.11.2008)



Estive participando de uma discussão literária entre vários blogs, em torno de um livro meio modernista, de leitura um tanto complicada. A certa altura, um dos participantes escreveu: “É um bom livro, um livro importante, mas não é o tipo de livro que escolho quando me enrosco no sofá, numa noite tranquila, com uma xícara de chá”. A imagem corresponde às circunstâncias ideais de leitura: um local aconchegante, um tempo prolongado, sem interrupções, uma bebida leve ou algum lanche miúdo para ficar “beliscando”...

No contexto em que esse leitor se pronunciou, ele queria dizer que o livro em discussão era um livro difícil, intelectual, que não provocava o envolvimento do leitor. Ele não conseguia “se identificar com o protagonista”, nem “se importar com o que acontecia aos personagens”. Era um livro que lhe causava um estranhamento, um distanciamento. E na hora de se enroscar no sofá, o que esse tipo de leitor procura é um livro que o envolva, no qual ele mergulhe esquecendo-se do mundo à sua volta, emocionando-se com o que acontece aos personagens, vivendo e respirando junto com eles.

Em função disto, vou definir que existem dois Leitores, ou pelo menos duas Leituras: a Leitura Brechtiana e a Leitura Stanislavskiana. Isto se baseia no teatro do intelecto pregado por Brecht, e no teatro da emoção pregado por Stanislavski. A primeira leitura procura abordar o livro intelectualmente, observando a narrativa, analisando sua estrutura, decompondo seus elementos, anotando as referências culturais que ele desperta (cada livro nos remete a um universo seletivo, a um cardápio cultural único e irrepetível). A segunda leitura é para rir, emocionar-se, excitar-se, assustar-se, participar daquela narrativa com a voluntária suspensão da descrença.

Não é para me gabar, mas eu acho que sou o Leitor Completo. Porque eu não apenas sou capaz de ambas as leituras, como salto de uma para outra sem precisar sequer apertar um botão ou dar um Alt+Tab. E só o que vejo à minha volta são pessoas que são cronicamente incapazes de ler de uma dessas duas maneiras. Tem gente que só consegue entender Robbe-Grillet, e gente que só sabe entender Agatha Christie. Para mim, a cena de estar numa madrugada silenciosa enroscado no sofá com uma taça de vinho (no inverno) ou uma lata de cerveja (no verão) significa imersão total da leitura, rendição total ao discurso literário, e para mim é irrelevante se estou lendo um tratado de Freud (“leitura intelectual”) ou um romance de Jorge Amado (leitura de entretenimento, por puro prazer).

A maioria dos leitores, quando se enroscam no sofá, não querem fazer nenhum esforço intelectual além do necessário para se divertir com uma história bem contada. Pra mim é um desperdício. Sofá, vinho, madrugada silenciosa, isso é o momento ideal para ler Guimarães Rosa ou T. S. Eliot. O resto eu leio no metrô ou na fila do Banco.

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