terça-feira, 9 de março de 2010

1768) O três no conto popular (8.11.2008)




(Sílvio Romero)

Lendo os contos populares ou, como chamamos aqui na Paraíba, “histórias de Trancoso”, a gente vê que existe uma fascinação pelo número três. São episódios que acontecem três vezes, são três objetos ofertados ao herói, são três tarefas que precisam ser cumpridas, são os três filhos de um velho casal, são três princesas encantadas. 

Essa fixação numérica pode ser interpretada de acordo com Freud, com Marx, com Jung, com Lévi-Strauss, com Peirce, com a Cabala, com a Numerologia, e por aí vai. 

Cada interpretação enriquece o fenômeno, nenhuma o esgota. A razão de sua longevidade é justamente esta: significar, de forma plausível, coisas diferentes para diferentes leitores.

Para este leitor aqui, existem padrões narrativos para os quais cabe uma pequenina explicação. Refiro-me àquelas situações, nesses contos, em que o herói recebe a ajuda de (ou precisa enfrentar) três criaturas sobrenaturais sucessivas. 

Pego um exemplo entre centenas, o conto “O Bicho Manjaléu”, recolhido por Sílvio Romero em Contos Populares do Brasil

O herói sai à procura de suas três irmãs, que casaram com três desconhecidos. Chega na casa da primeira e descobre que o rapaz com quem ela casou é o Rei dos Peixes. Ele é um cara muito brabo, que chega em casa procurando intrusos, ameaçando matá-los, mas depois que toma banho e faz uma refeição sossega. A esposa revela a presença do irmão, e os dois tornam-se amigos. O herói procura então a segunda irmã, que casou com o Rei dos Carneiros, e depois a terceira, que casou com o Rei dos Pombos. Os três episódios são rigorosamente iguais.

Estes episódios, que fogem à vivência cotidiana do herói, ensinam-lhe uma maneira de se relacionar com o sobrenatural, e se repetem para que seus elementos sejam reconhecidos com segurança. Correspondem a três fases: 1) informação, 2) revelação, e 3) confirmação. 

No primeiro encontro, acontecem situações inesperadas em que o herói é forçado a improvisar procedimentos para se relacionar com o sobrenatural. Tudo aquilo é informação nova, algo que fugia a sua experiência prévia, e ele tem o direito de recear que, num segundo encontro, tudo recomece também do zero e as lições deste primeiro episódio não lhe sirvam para nada.

No segundo encontro, ocorre a Revelação. Certos elementos do primeiro encontro se repetem, e só então ele tem a idéia de quais são as regularidades, as “constantes” do fenômeno sobrenatural. Ele age de acordo com essa revelação, e desta vez seu procedimento não é totalmente improvisado ou intuitivo, é produto de uma reflexão e de um conhecimento.

O terceiro encontro serve apenas como Confirmação do que fora improvisado no primeiro e posto conscientemente em prática no segundo. O terceiro é quase pró-forma, quase supérfluo, está ali apenas para que não restem dúvidas. Ele “rubrica e carimba” a ação do herói, certificando-o de que sua maneira de lidar com o sobrenatural estava correta, e de que ele agora é o senhor da situação.






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