quinta-feira, 4 de março de 2010

1742) Os limites do possível (10.10.2008)



Muitas vezes a gente diz que uma coisa é cientificamente possível e que já se sabe como se deve fazer, mas nossa tecnologia atual ainda não tem condições. Já vi muita gente perguntar: “Como é possível saber como se faz algo e não ser capaz de fazer?”. O livro de Arthur C. Clarke Perfil do Futuro, que li na adolescência, tem uma descrição longa e complicada desse processo, que é a melhor explicação que já vi.

Vou reproduzir de memória, porque não tenho mais o livro. Clarke tenta nos mostrar como seria possível a um cara como Leonardo da Vinci, por exemplo, criar um sistema de transmissão de imagens à distância sem ter fotografia, eletricidade, telégrafo, rádio, nenhum dos meios atuais para transmitir uma imagem – entre Florença e Roma, por exemplo.

Ele começa raciocinando que uma imagem pode ser dividida num conjunto de pontos pretos ou brancos, cuja predominância nesta ou naquela área cria tons de cinza. Quanto mais pontos (ou “pixels”, como se diz hoje), maior a minúcia de reprodução da imagem. Leonardo (diz Clarke) poderia imaginar o seguinte: a imagem seria dividida em 10 mil quadradinhos minúsculos, em 100 filas horizontais e 100 colunas verticais. Seria fácil definir cada ponto por um conjunto de dois números indicando onde ele estaria situado (como no jogo “Batalha Naval”). Na fila horizontal de cima, o primeiro quadradinho à esquerda seria 1-1, o segundo seria 1-2, etc., até o último da direita, que seria 1-100. Na fila abaixo dessa, teríamos 2-1, 2-2, 2-3, até 2-100. E assim por diante, até a última fila de baixo, que começaria com o ponto 100-1 e terminaria no 100-100.

Muito bem. Com um código assim não haveria erro. O número 63-81, por exemplo, indicaria o ponto na 63a. fila horizontal e na 81a. coluna vertical. Para reproduzir a imagem inteira, bastaria dizer, de cada um desses 10 mil pontos, se ele era preto ou branco – e a imagem seria reconstituída com perfeição.

Para enviar a imagem à distância, Leonardo poderia lançar mão de um sistema de semáforo, que só foi inventado no fim do século 17, mas cujos recursos técnicos já existiam no tempo de Leonardo. Ele consiste numa fileira de torres que se avistam umas às outras com lunetas. Usando um código de bandeiras coloridas, luzes, etc., a primeira torre manda um sinal para a segunda (algumas centenas de metros adiante), que o repassa para a terceira, e esta para a quarta, e assim a mensagem vai, de modo lento mas seguro, sendo transmitida ao longo dos quilômetros. A França no século 19 tinha um sistema assim, com mais de 500 torres.

Bastaria ter um código numérico para que essa linha de semáforos transmitisse, um a um, os dez mil números, indicando se cada um desses pontos era preto ou branco. E a imagem seria transmitida dessa forma. Fazemos isso hoje através de ondas de rádio, fibra ótica, cabos telefônicos, numa fração de segundo. A técnica veio apenas para tornar o processo rápido. Mas o conceito já poderia existir muito antes.

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