quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

1708) Alphonsus de Guimaraens Filho (2.9.2008)



A notícia da morte do poeta me chegou em emails sucessivos de Alexei Bueno, Glauco Mattoso e Dinah Guimaraens. Durante os anos da juventude, tive dificuldade em distinguir os poemas do Alphonsus pai daqueles do Alphonsus filho, até porque era o inusitado do nome que primeiro me atraía o olhar e a curiosidade. Deixo para os críticos de verdade a classificação sistemática dos poetas e dos poemas entre os rótulos de Simbolismo, Romantismo, Modernismo... No Alphonsus Filho o que mais marcava o ouvido era a perfeição métrica e musical dos sonetos, sempre fluidos, irretocáveis; e o insistente poder de evocação visual, numa poesia fortemente imagética, que falava tanto ao tímpano quanto à retina.

Poesia que está reunida em Só a noite é que amanhece (Record, 2003). Como no soneto em que, por sob um verniz romântico ou simbolista, não importa, e numa linguagem austera e límpida, encontramos o tema moderno da vida “on the road”: “Cidades vi que agora me aparecem / como nunca jamais nem terão sido. / E as grandes vozes que conturbam, crescem / mas de tão longe que eu direi somente / que não me fui, que, se eu tivesse ido, / não estaria chegando eternamente”. É Jack Kerouac sem o que há de datado, localizado e circunstancial em Kerouac. É simplesmente o mesmo espírito: o da viagem mais da alma do que das pernas, e que não tem lugar nem tempo.

Outro tema é o passar irrevocável do tempo, e talvez nem chegue a ser outro tema, mas sejam os dois, a viagem e o passar da vida, visualizações de um só sentimento. Como ele diz, em “Seqüência”: “As traças devoram a vida, / papirófagos sem pressa. / (os homens se dão aos livros / e a vida, como lhes pesa!) / Os ratos pelos armários / deixam apenas fragmentos. / (Os homens se dilaceram, / as próprias cinzas temendo.) / E a vida só se asserena, / se atenua, se aquieta, / quando num rosto cansado / sombra, apenas, se dispersa.”

A intensidade de sua evocação visual, sensorial, marca sonetos como “Deitas teu corpo em flor”, espécie de retrato a óleo de uma mulher deitada na relva, onde ele diz: “...instante de fantástica beleza / e de beijo e de afago e de um supremo / arfar de chama em límpida penugem. / Deitas teu corpo em flor, e a natureza / funde-se em ti no alto silêncio extremo / de volúpia desfeita em brisa e nuvem”. Um entrelaçar de imagens e de sensações que reúnem um máximo de sensualidade corporal e de êxtase do espírito.

E o “Soneto da Morte” (que eu não conhecia, e que me foi enviado por Glauco), cujas imagens soturnas e impessoais sugerem um curta-metragem de Antonioni ou Resnais: “Entre pilares podres e pilastras / fendidas, te revi subitamente; / eras a mesma sombra em que te alastras, / feita carícias de uma face ausente. (...) vi-te a sofrer no fundo da cidade / como um grande soluço percutindo / sobre os olhos, as mãos e a boca fria. / E de repente um grito de saudade. / Depois a chuva, sem cessar, caindo.” Como na vida real.

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