Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
1673) A palavra Eu (23.7.2008)
As palavras e as frases que usamos determinam nosso modo de pensar. Não é uma relação mecânica de causa-e-efeito, mas ninguém pode negar que acontece.
Tanto é verdade que as livrarias estão cheias de livros de auto-ajuda ensinando a gente a dizer “estou com um desafio criativo” em vez de “problema sério”, porque o modo como a gente verbaliza uma situação mobiliza de maneira diferente nossa energia psíquica.
Toda sintaxe é uma forma de poder.
William S. Burroughs, autor de Almoço Nu e Junkie (ambos traduzidos em 2005 pela Ediouro), foi um escritor obcecado com os processos de dominação mental e de exercício do poder que existem por trás de nosso discurso verbal.
Burroughs é conhecido por livros onde há um tratamento franco e direto do homossexualismo e do uso de drogas, o que já lhe valeu processos, livros proibidos pela censura, etc.
Também é um dos principais expoentes da Geração Beat (juntamente com Jack Kerouac e Allen Ginsberg) e é considerado por muitos (por mim, principalmente) como um dos grandes escritores de ficção científica situados fora do “ambiente” da FC.
Diz Burroughs, em seu livro The Job:
“O verbo TO BE poderia muito bem ser eliminado de todas as línguas. A identidade que afirma “é” sempre traz consigo a implicação disto e de nada mais, traz consigo o sinal de uma condição permanente. Do mesmo modo, o artigo “THE” contém a implicação de algo único: o Deus, o Universo, o caminho, o certo, o errado. Esse artigo deveria ser eliminado e substituído sempre pelo artigo “A”: um universo, um caminho, etc. (...) O conceito de “OR” também deveria ser eliminado e substituído pelo conceito de “AND”.
Isto me lembra umas teorias de viés anarquista nos anos 1970, em que éramos aconselhados a não dizer “o Governo” e sim “a Administração”, porque “governo” passa uma idéia de controle, de comando, e “administração” revela o que os governantes de fato são: pessoas encarregadas de administrar bens alheios (no caso, do Povo).
Era o mesmo pessoal que, em Salvador, nessa época, completava com “ss” sutis as pichações de muro que diziam “Abaixo a Ditadura!”, fazendo: “Abaixo as Ditaduras!”, para nos lembrar que nosso problema não era apenas a ditadura de direita que vigorava no Brasil, mas todas as ditaduras do mundo.
Burroughs também dizia:
“Seja lá o que você for, você não é a palavra EU, assim como não é aquele conjunto de informações que estão impressas no seu passaporte”.
Esta é uma afirmação muito próxima do que dizia Fernando Pessoa sobre a multiplicidade e divisibilidade do Eu, que é heterogêneo, contraditório.
Burroughs e Pessoa são dois escritores que foram muito fundo na investigação deste mais elusivo dos conceitos, o da identidade pessoal, identidade psicológica. A vida e obra dos dois são sintomas da fragmentação e do estranhamento que são características essenciais da arte do século 20. É um momento da História em que o Eu se estilhaçou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário