sábado, 13 de fevereiro de 2010

1650) A escrita não-criativa (26.6.2008)



Artistas como Marcel Duchamp e Andy Warhol introduziram o minimalismo na criação artística. Não os estou comparando aos artistas minimalistas propriamente ditos, aqueles que se esmeram em usar o mínimo possível de elementos na composição de suas obras. Warhol e Duchamp reduziram a criação artística a um único gesto: o gesto da apropriação de algum material pré-existente. Duchamp pegava objetos que pareciam colhidos ao acaso e os expunha numa galeria, apregoando que eram obras de arte. Warhol pegava fotos de artistas ou de produtos industriais e os reproduzia em serigrafia colorida. A apropriação e a cópia viraram moda no meio das artes plásticas. Em alguns grupos, chegaram a virar dogma.

E não só lá. Li há pouco um relato (http://www.bookforum.com/inprint/015_02/2462) sobre a obra literária de Kenneth Goldsmith, o fundador do UbuWeb, saite que se auto-intitula “O YouTube da Vanguarda” e é um repositório inestimável de textos e clips de áudio e vídeo com os grandes artistas de vanguarda do século 20. Goldsmith é conhecido e respeitado como um dos líderes da Poesia Conceitual contemporânea, uma prática poética que usa algo da atitude apropriativa e copiativa de Duchamp e Warhol. (Imagino que ele se descabelaria de horror se visse sua arte resumida desta forma, mas é improvável que venha a tomar conhecimento desta coluna).

Por exemplo: no livro Day (2003), Goldsmith copiou, “ipsis litteris” um exemplar inteiro do New York Times. Notícias, colunas, comentários, cotações da Bolsa, anúncios, horóscopo, esportes, variedades... Todas as palavras desse exemplar do jornal foram copiadas, resultando num livro extenso, com mais de 800 páginas, pesando três quilos. (Está à venda na Amazon por 19 dólares, mais 12,50 de frete, se alguém se habilita.) Goldsmith também é autor de outras obras idiossincráticas como Número 111, em que ele relacionou todas as frases terminadas com o som de “r” que pôde encontrar, e depois as organizou por número de sílabas; Fidget, em que passou um dia inteiro descrevendo ao gravador cada movimento de seu corpo, e depois transcreveu tudo; e Soliloquy, em que gravou a transcreveu todas as palavras que pronunciou durante sete dias seguidos.

Um gênio? Um doido? Um picareta? Não creio. Para mim é um cara que nasceu desprovido do prazer de burilar frases e contar histórias (assim como há quem nasça desprovido de prazer sexual), mas que admira a literatura o suficiente para querer forçar seus limites e ver até onde ela agüenta. Seu amor pela literatura é intelectual, e se dá apenas na dimensão da escrita, não na dimensão da experiência humana ali contida. Ele é o caso extremo de autores como Michel Butor ou Robbe-Grillet e sua “ficção do olho”, registrando tudo que o olho do narrador ou do personagem vê; ou de Georges Perec e sua obsessão catalográfica. Acontece que Perec tem também a volúpia da fabulação, da contação de causos, que a Goldsmith parece ser inacessível.

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