Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
1626) O silêncio de Antonioni (29.5.2008)
O DVD do filme A Noite, de Michelangelo Antonioni, traz como bônus um documentário sobre o diretor, com entrevistas que ele deu ao longo de décadas de carreira. Entre elas, aquela que o filme afirma ser a última entrevista sua antes do derrame cerebral que o deixou impossibilitado de falar, embora tivesse continuado a dirigir (com o auxílio de outras pessoas, pois somente a sua fala foi prejudicada).
Antonioni sempre foi conhecido pela crítica como “o cineasta da incomunicabilidade”, principalmente devido à trilogia composta por A Aventura (1959), A Noite (1960) e O Eclipse (1961), em que ele analisa as difíceis relações afetivas entre personagens da pequena burguesia italiana. Seus personagens são arquitetos, escritores, operadores da Bolsa. Indivíduos mais ou menos bem de vida, que ganham razoavelmente, têm tempo livre, e podem se dedicar a cuidar de suas relações amorosas como quem cuida de um jardim. (Verdade que a maioria desses personagens deixa seu jardim entregue às ervas daninhas.) Numa das entrevistas do DVD, Antonioni lembra que um personagem assim é de certa forma dono do seu tempo, dos seus horários, da sua mobilidade. Para ele é mais fácil ir à procura de uma mulher que ama, assediá-la, segui-la, marcar encontros, etc. Já para um operário, que trabalha o dia inteiro preso numa fábrica, as limitações de ordem prática são muito maiores.
Os personagens de Antonioni são sempre uns caras elegantes, que moram em bons apartamentos, e mesmo dentro de casa só são vistos de terno e gravata. Apaixonam-se, cercam as mulheres que amam, mas sempre acabam botando tudo a perder, seja por infidelidade, seja por indiferença. Quanto às mulheres, são erráticas, instáveis, parecendo sempre em dúvida quanto ao que realmente querem. Costumam andar ao léu, perdidas em pensamentos que não conseguimos ler em seu semblante. Nenhuma atriz conseguiu exprimir tanto essas incertezas íntimas, e a angústia delas resultante, quanto Mônica Vitti, na época casada com o diretor, e que aparece nos três filmes da trilogia e mais em Deserto Vermelho (1964).
Diz Antonioni, na última entrevista: “Dizem que sou o cineasta da incomunicabilidade. Bem, se eu o sou, então é porque soube comunicar isto, portanto eu próprio não sou incomunicável”. Grande parte do fascínio dos filmes de Antonioni nasce do modo como ele encurrala seus personagens com a câmara, como se quisesse “por fina força” adivinhar, e revelar, o que estão sentindo. O crítico David Thomson disse que Antonioni é um cineasta “capaz de remover todas as camadas das pessoas até atingir peles tão frágeis que elas mal conseguem roçar umas nas outras sem produzir dor”. É irônico e simbólico que o cineasta da incomunicabilidade tivesse passado os seus últimos anos incapacitado de falar, mas ainda realizando filmes. Como ele mesmo diz na última entrevista, não poder falar não é o mesmo que não poder se comunicar.
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