terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

1604) A arte do acróstico (3.5.2008)



(múltiplo acróstico num soneto de Gomes Freire de Andrada)

Um acróstico é um texto, geralmente em verso, em que certas letras em posições especiais devem ser lidas em seqüência, formando uma ou mais palavras. O acróstico é uma variante da técnica a que chamamos “acrônimo”, que utiliza este mesmo processo para a formação de siglas. No caso do acróstico, o uso mais freqüente se dá com as letras iniciais dos versos de um poema. Lidas verticalmente (muitas vezes elas vêm destacadas em itálico ou negrito, para forçar essa leitura), formam um texto qualquer.

Muitas vezes se usa como homenagem explícita ou disfarçada. Edgar Allan Poe, que gostava de criptografias, tem um poema (“Valentine”) dedicado a Fanny Osgood, uma dama a quem fez a corte durante algum tempo. Como seu nome completo era Frances Sargent Osgood, ele compôs um poema de vinte linhas, em que o nome da namorada podia ser lido verticalmente juntando-se a primeira letra da primeira linha, a segunda da segunda linha, a terceira da terceira e assim por diante. Não sei se ele fazia isso para se divertir ou porque a sua musa era casada (apesar de já separada do marido nessa época).

Os acrósticos comuns têm a vantagem de usarem apenas a primeira letra de cada linha, e assim ficam mais fáceis de ser lidos verticalmente. São assim os acrósticos usados na literatura de cordel como assinatura disfarçada. Na última estrofe, o autor insere um acróstico de seu próprio nome como carimbo de autoria. Assim é que O Castelo do Diabo de João José Silva termina com a estrofe: “Juntaram-se em matrimônio / O Gino foi vencedor / Sua existência floriu / Indo ser governador / Levando seu anjo amado / Vendo sorrindo a seu lado / A rosa do seu amor”, o que dá JOSILVA. O Romance do Escravo Grego de João Martins de Athayde finda com a estrofe: “Assim Eli a orgulhosa / Teve de ser abatida / A rainha de Navarra / Insensível, presumida / Deu seu amor a um escravo / E veja o que é a vida”, ou seja, ATAIDE.

O compositor John Cage, outro que gosta de jogos verbais, criou a partir do acróstico o conceito de “mesóstico”: um nome ou uma frase são escritos verticalmente, e o poema se desenrola de modo a incluir aquelas letras. Cada letra do nome-chave determina uma linha do poema, mas em vez de aparecer no começo aparece em qualquer trecho, desde que a palavra possa ser lida verticalmente.

Pode parecer bobagem, mas os exemplos de Poe, dos cordelistas e de Cage mostram que é possível encriptar um texto sem muita dificuldade, e de maneira imperceptível a uma leitura casual, ou mesmo a uma procura atenta. Os acrósticos do cordel deixaram de ser úteis quando todo mundo tomou conhecimento deles – quando alguém pretendia republicar o texto como seu, bastava-lhe alterar ou suprimir o acróstico final. Mas se o acróstico vier sob outra forma de camuflagem (como as sugeridas por Poe ou Cage) dificilmente um plagiador ou pirata saberá onde mexer para eliminar a assinatura que o verdadeiro autor deixou ali encriptada.

Um comentário:

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