segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

1598) Mudando de mesa (26.4.2008)



(Robert Benchley) 

Li em algum lugar que um grande chefe de Estado – algum czar russo ou arquiduque prussiano – tinha um método infalível para enfrentar suas numerosas horas de trabalho diárias. 

No seu vasto gabinete no palácio ele tinha diferentes escrivaninhas. Numa ficavam (por exemplo) os assuntos relativos ao exército e às campanhas militares. Noutra estava a administração da Fazenda e do Tesouro nacional. Noutra a correspondência diplomática e pessoal. Noutra o seu diário e as anotações para as memórias. E assim por diante. 

Quando ele cansava de trabalhar numa mesa, levantava, dava uma volta, tomava um cafezinho (ou mandava servir um samovar com chá de tília, sei lá o que se tomava naquele tempo) e depois sentava na mesa seguinte, para atacar um assunto totalmente diferente do anterior. 

Ótima solução, não é? Tão ótima que muita gente o imita. O jornalista Gay Talese, tido como um dos inventores do “New Journalism”, usa três escrivaninhas num arranjo em forma de “U”, e passa de uma para outra de acordo com as marés da inspiração. 

A melhor coisa do mundo é quando você tem um bom número de trabalhos para fazer ao mesmo tempo. No momento em que fica sem saber o que fazer no trabalho A, tudo que precisa é saltar para o trabalho B, e assim por diante. Quanto eventualmente você retorna para o A, percebe que ficou muito mais fácil prosseguir, porque não ficou batendo com a cabeça numa porta fechada e se impacientando (e, entrementes, o inconsciente continuou pensando naquilo e quem sabe já lhe trouxe um fio condutor). 

Os biógrafos de Bob Dylan falam de um período, entre 1965-66, época em que lançou seus três melhores álbuns (Bringin’ it all back home, Highway 61 Revisited, Blonde on Blonde), em que ele costumava ir para o estúdio sentado no banco de trás do carro, com uma caderneta no colo, trabalhando em várias canções ao mesmo tempo. Escrevia alguns versos em uma, virava algumas páginas, fazia mais uma estrofe em outra, passava adiante, etc. 

Esse depoimento está totalmente de acordo com o caráter fragmentário da maioria das canções desse período de Dylan, como “Desolation Row”, “It’s alright, Ma”, “Memphis Blues again”, “Tombstone Blues”, etc. 

Se isto acontece com quem trabalha o dia inteiro no mesmo meio de expressão, fica mais fácil ainda quanto se tem a opção de mudar radicalmente de linguagem. 

O sujeito pode passar duas horas ao violão compondo uma melodia e uma harmonia caprichada; em seguida, senta ao computador para acrescentar uma ou duas páginas a um conto que está em progresso. Uma pausa para o cafezinho, e depois um artigo para o jornal, e em seguida uma hora de leitura de um livro que precisa ser resenhado para uma revista. 

É uma maneira prática de levar em conta a terrível advertência do humorista Robert Benchley: “Qualquer indivíduo é capaz de executar qualquer quantidade de trabalho, desde que não seja o trabalho que tem a obrigação de fazer naquele momento”.







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