Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 31 de janeiro de 2010
1595) Um cão morrendo de fome (23.4.2008)
A Internet entrou em ebulição algum tempo atrás em torno de mais uma “instalação de arte contemporânea” perpetrada por nossos criativos artistas. Noticiou-se que o costarriquenho Guillermo Vargas, conhecido como “Habacuc”, teria amarrado um cachorro faminto numa exposição de artes plásticas e o deixado ali sem pão nem água, até que ele morreu de fome. Um abaixo-assinado de protesto se alastrou pela rede. Blogueiros pediram a cabeça de Habacuc, sugerindo que na próxima exposição ele amarrasse a própria mãe, etc. e tal.
Eu sou da tribo e conheço os caboclos. Tudo que aparece na Internet com abaixo-assinado sempre me acende uma luzinha de alerta, porque cheira a boato, invenção, lenda urbana. Pesquisei mais um pouco e achei, se não um desmentido categórico, pelo menos uma versão diferente dos fatos. Habacuc de fato usou o cão, mas ele era alimentado diariamente, e só ficava amarrado no salão durante as horas em que a exposição estava aberta ao público. Na parede da sala lia-se a frase “Eres lo que lees” (“Tu és o que lês”) em letras formadas com biscoitos de cachorro; e um aparelho de som tocava o hino sandinista ao contrário. Bem – em termos de arte talvez não seja nenhuma Guernica, mas é muito mais plausível do que a primeira versão. Além disso, o cachorro acabou fugindo depois de alguns dias, numa distração do vigilante.
Quem quiser mais detalhes veja o verbete de Habacuc na Wikipédia, ou consulte o blog português “Varal de Idéias” (em http://cimitan.blogspot.com/2008/04/este-post-repe-as-coisas-nos-seus.html). A Humane Society International (http://www.hsus.org/contact_us/humane_society_international.html#Q_dog_artist) critica a idéia do artista e afirma ser contra o uso de animais vivos em exposições, mas diz que pelas informações que obteve o cachorro estaria vivo, e teria fugido da exposição.
O interessante é que 2 milhões de pessoas assinaram o pedido de boicote à participação de Habacuc na Bienal Centroamericana de Honduras de 2008. Na página que abri agora, são 2 milhões, 147 mil, 980 assinaturas, entre as quais (fui conferir a lista) as de alguns amigos meus. O que me lembra um episódio que contam da vida de São Tomás de Aquino. Já velhinho ele vivia num mosteiro onde dava aulas para os noviços. Estes eram jovens e brincalhões, e resolveram zoar com o mestre. Amontoaram-se numa janela, quando viram que ele se aproximava, e começaram a apontar para o céu, aos gritos: “Vinde ver, Irmão Tomás! Vinde ver um boi voando!” Tomás chegou à janela, protegeu os olhos com a mão e ficou buscando em vão o boi nos ares. Os noviços riram e disseram: “Acreditaste que um boi pode voar?” E ele ripostou: “Achei que seria mais fácil um boi voar do que um religioso mentir”. Pois é – parece que hoje em dia é mais plausível um artista de vanguarda matar um cão de fome do que um desocupado postar uma mentira na Internet. Ó tempos! Ó costumes!
Nenhum comentário:
Postar um comentário