Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
1574) “Juno“ (29.3.2008)
O simpático filme de Jason Reitman é mais uma produção independente que se impõe no mercado americano. Ótimo sinal. Apesar dos blockbusters super-caros sobre super-heróis dos quadrinhos, o mercado dos EUA tem recebido bem estes filmes feitos com pouco dinheiro e que repousam nas qualidades tradicionais do cinema médio americano: roteiros sólidos, bons atores, direção voltada para a velha arte de contar uma história. O problema com essas características é a rapidez com que ficam defasadas depois de alguns anos. Parece que estamos no despontar de uma nova safra. Juno concorreu a três Oscars (filme, roteiro, atriz). Oscar jamais foi sinal de qualidade, mas funciona como termômetro de tendências. E pela segunda vez em dois anos seguidos o Oscar de roteiro original foi para um novato: desta vez Diablo Cody (no ano passado foi Michael Arndt por Pequena Miss Sunshine).
Juno nem parece muito um filme americano; lembra mais um filme canadense ou holandês. O que tem de mais americano são os diálogos, muito engraçados mas quase ininteligíveis pelo acúmulo de gírias (e mesmo nas legendas muita coisa se perde). Grande parte do peso do filme repousa na atriz principal, Ellen Page, que carrega o edifício assobiando, na ponta do dedo mindinho. O papel parece ter sido escrito para ela ou improvisado por ela. É o charme desconcertante de sua personagem, carismática e imprevisível, que nos arrasta para longe daquele atoleiro mortífero, o filme-de-família dos EUA, feito para celebrar sentimentos e valores humanos. Uma espécie de livro de auto ajuda preparado com a fórmula do comercial de chiclete de bola. Juno e Pequena Miss Sunshine podem ser um indício de que o filme-de-família da próxima década conseguirá finalmente tratar de forma tranquila e minimamente franca certos assuntos que o puritanismo dos EUA sempre repeliu com horror e procurou expulsar da tela: aborto, divórcio ou separação, homossexualismo, drogas, gente não-bonita, gente que não dá certo na vida.
Há uma curiosa coincidência comercial nesses dois filmes. Little Miss Sunshine custou cerca de 8 milhões de dólares e arrecadou no mundo inteiro cerca de 100 milhões. Juno custou 6,5 milhões e arrecadou 200 milhões até este mês de março. A esta altura há milhares de produtores e roteiristas de prancheta eletrônica em punho, dando Stop, Rewind e Play em cada palmo desses dois filmes, para extrair deles a fórmula mágica de multiplicar por 10 ou por 20 um investimento. Titanic (o filme mais lucrativo da História recente, em termos absolutos) custou 200 milhões e arrecadou cerca de 2 bilhões, mas, quem é que tem 200 milhões para dar um pontapé inicial num projeto? Muito melhor tentar conseguir essa proporção com um dispêndio mais modesto. Só espero que essa busca pela fórmula não venha a nos deixar soterrados de imitações, como anda ocorrendo no filme-de-serial-killer pós-Silêncio dos Inocentes e fantasia heróica pós-Senhor dos Anéis.
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