sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

1526) Anomalias e preconceitos (2.2.2008)



Todo mundo é preconceituoso, a começar por mim. Gostamos de umas coisas, detestamos outras, e estamos conversados. Diante de um fenômeno qualquer, recorremos a uma explicação que nos deram aos dez anos de idade, e recusamo-nos a reexaminar o assunto. Reexaminar para quê, se já temos uma resposta? É curioso notar que a palavra “pré + conceito” tem formação semelhante à de “pré + juízo”. A conotação atual de prejuízo como “perda, dano” vem de sua associação anterior à idéia de “decisão errônea, baseada em julgamentos precipitados”.

No seu clássico A Estrutura das Revoluções Científicas, Thomas S. Kuhn refere um curioso experimento levado a cabo por J. S. Bruner e Leo Postman. Eles testaram a rapidez de percepção visual dos indivíduos através da projeção de imagens de cartas de baralho, em frações infinitesimais de segundo. A intenção era medir quanto tempo era necessário para que uma imagem (um seis de copas, um valete de espadas, etc.) fosse identificada corretamente pela pessoa. Alguns indivíduos, claro, precisavam de exposições mais demoradas para identificar corretamente as cartas.

Acontece que no meio do experimento os cientistas começaram a incluir anomalias – um seis de espadas vermelho, ou um quatro de copas preto. Com imagens de duração muito rápida, essas cartas anômalas eram vistas pelas cobaias como cartas normais. O quatro de copas preto, por exemplo, era visto como um quatro de copas normal, ou como um quatro de espadas. A mente recusava-se a perceber a imagem que considerava “errada” e fazia uma adaptação, assimilando-a ao que já lhe era familiar.

Os cientistas foram aumentando cada vez mais o tempo de exposição dessas cartas, dando tempo às cobaias para que percebessem o erro. Alguns começaram a dizer, diante do seis de espadas vermelho: “Isto é um seis de espadas, mas há algo de errado nele, ele parece que está com um contorno vermelho”. Havia hesitação, confusão, mas a partir de um certo ponto o indivíduo finalmente percebia a verdade. Algumas pessoas, no entanto, não admitiram o erro.

Diz Kuhn: “Mesmo com um tempo médio de exposição quarenta vezes superior ao que era necessário para reconhecer as cartas normais com exatidão, mais de dez por cento das cartas anômalas não foram identificadas corretamente. Os entrevistados que fracassaram nessas condições experimentavam muitas vezes uma grande aflição. Um deles exclamou: ‘Não posso fazer a distinção, seja lá qual for. Desta vez nem parecia ser uma carta. Já não sei sua cor, nem se é de espadas ou copas. Não estou seguro nem mesmo a respeito do que é uma carta de copas. Meu Deus!”

Essa aflição é a que sentimos quando nossos preconceitos são questionados, quando vemos algo que não se encaixa em nossas categorias de classificação. É algo que vai fundo no nosso software mental. O computador trava. Dá um branco no juízo. O coração palpita, as mãos suam frio, e a triste verdade é que muita gente acaba saindo na porrada.





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