quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

1518) O cinema fantasmático (24.1.2008)


(David Bowie, como Nikolas Tesla, em O Grande Truque)

Nada se parece tanto ao cinema quanto a mágica de salão, a mágica dos artistas que serram mulheres ao meio, fazem surgir e desaparecer moedas entre os dedos, adivinham a carta de baralho que escolhemos, fazem uma pessoa sumir no palco agitando um lenço colorido à sua frente.

Nos anos 1920, quando cristalizou sua linguagem, o cinema se apoderou da extrema maleabilidade do mundo das imagens, da superfície aparente do real. Formas, volumes, movimento, ação – tudo isto ele reproduzia com verossimilhança assustadora. E ao mesmo tempo era capaz de produzir nessa superfície tão realista uma série de modificações impossíveis de ocorrer no mundo material. A arte dos efeitos especiais, desenvolvida principalmente por Méliès, começou como se fosse uma atração circense ou teatral, mas evoluiu para ajudar a criar um mundo virtual onde a matéria aparentemente sólida se tornava elusiva como a fumaça e dócil como massinha de modelar.

Daí o meu espanto ao ver como o cinema explora pouco o mundo dos mágicos de cartola, dos Houdinis e dos Blackstones que, na época em que ele surgiu como Arte, dominavam as platéias. Os efeitos especiais são o equivalente à magia do palco. Sabemos que aquilo não aconteceu fisicamente no momento da filmagem, sabemos que foi um truque, mas talvez o fato de sabermos que se trata de um truque nos encante ainda mais. Qualquer idiota pode filmar um homem desaparecendo: basta ter uma câmara e apontá-la para um homem capaz de desaparecer. Muito mais difícil é produzir a ilusão de um desaparecimento que todos sabemos impossível.

Dois filmes recentes exploram com brilho esse universo: O Ilusionista de Neil Burger e O Grande Truque de Christopher Nolan. O primeiro é um filme policial, o segundo é um filme de ficção científica. Em O Ilusionista temos uma trama complexa que envolve crime e investigação, e o ilusionismo entra como aquele fator de encantamento que os grandes criminosos tentam produzir – impedir, através de “prestidigitação” e de pistas falsas, que o detetive saiba o que realmente aconteceu (e, mesmo quando desconfie, não possa prová-lo).

O Grande Truque, baseado num romance de Christopher Priest (conhecido escritor britânico de FC) introduz o elemento ficcientífico através de uma invenção imaginária de Nikola Tesla, rival de Thomas Edison na domesticação da eletricidade. Alguns críticos (como Roger Ebert) se sentiram trapaceados com o desfecho deste filme, mas apenas porque não sabiam que era uma história de FC, e esperavam uma solução realista. Enquanto O Ilusionista tem um final realista de espetacular engenhosidade, O Grande Truque nos arrasta consigo para o território do fantástico. São filmes que se baseiam em imagens vistas muito rapidamente e mal identificadas, em cortes bruscos produzindo uma ilusão de continuidade entre dois tempos ou dois espaços. Magia do cinema, magia do palco e, no segundo filme, a magia da FC.

Nenhum comentário:

Postar um comentário