As narrativas mitológicas nos acostumaram à idéia dos profetas desacreditados, como Tirésias ou Cassandra. Eles enxergaram o futuro e sabem o que vai acontecer, mas ninguém lhes dá crédito. Tirésias é expulso do palácio por Édipo, ao lhe revelar a verdade sobre a morte de seu pai, o rei Laio. Cassandra foi amaldiçoada por Apollo, o qual determinou que ela poderia ler o futuro, só que ninguém acreditaria no que ela revelasse. Mas os profetas continuam insistindo, com uma certeza íntima que acaba carreando para o seu lado um pequeno grupo de crentes, para os quais importa menos a plausibilidade da profecia do que a veemência com que é bradada.
“Virá, que eu vi!” O belo verso de Caetano Veloso em “Um Índio” exprime esse paradoxo temporal que está na raiz de toda profecia. Para nós, que ainda não chegamos àquele ponto na Linha do Tempo em que o tal fato vai acontecer, aquilo é futuro, é incerto, é duvidoso. Para o profeta, que teve o vislumbre, é algo que já aconteceu, algo líquido e certo. Aquela revelação virá, porque eu vi que ela já veio.
Uma vez eu estava numa mesa de bar com uma rapaziada paraibana, e a conversa acabou chegando em Zé Ramalho. Uns elogiaram, outros criticaram, dizendo que não entendiam as letras. E aí um dos que o defendiam falou: “Rapaz, eu também não entendo não, mas o cara canta aquilo com uma convicção tão grande que deve significar alguma coisa!” E de fato, cantores como Zé Ramalho e Bob Dylan são sempre associados a esse complicado adjetivo – “profético” – em parte pelo teor messiânico de algumas de suas canções, mas principalmente pelo tom de voz que empregam. No caso de artistas assim, a questão de “ter uma voz bonita” passou lá na esquina da frente e nem se virou. Não é disso que se trata. Zé Ramalho e Dylan têm vozes que para os puristas são desagradáveis, ásperas, ininteligíveis (no caso de Dylan, pelo menos), nada que se pareça a uma voz de “crooner” de “big band”. Nenhum dos dois seria convidado para fazer um show no Cassino da Urca ou em Las Vegas. Mas essas vozes têm algo da certeza inabalável e alucinatória dos profetas, a certeza de quem viu algo e pouco lhe importa se os outros conseguem ver o mesmo ou não.
Dylan, curiosamente, surgiu no seio da música folk norte-americana (esquerdista, contestadora) na época de sua maior mobilização política. Quando percebeu, depois de três discos, que estava virando profeta da esquerda, ele deu uma guinada rumo ao rock-and-roll com seus discos de 1965-66. As letras passaram a tratar de temas psicodélicos, surrealistas, E ironicamente ele acabou virando profeta de novo – o guru da geração rock. Para livar-se disso foi preciso uma retirada forçada – oito anos sem fazer turnê, e gravando apenas discos de música country. O fato de ter sido profeta de duas gerações simultâneas e antagônicas mostra o poder de convicção íntima com que compunha e cantava entre os 20 e os 25 anos, e neste aspecto ninguém o igualou.
Oi, Braulio! Aproveito aqui, entre essas ultimas postagens - muito boas, como sempre - relacionadas a dois de meus autores favoritos - Dylan e Tolstoy (aliàs, comecei a me interessar por este ultimo, anos atras, quando li uma entrevista de Dylan, em que ele indicava "tudo de Tolstoy" entre as suas preferencias literarias), para deixar novamente o meu e-mail, naquela da mailing list que voce tinha falado: luizlima@virgilio.it
ResponderExcluirGrazie mille! :-)
Abraço,
Lola