quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1487) O Número da Besta (19.12.2007)




Escândalos científicos sacolejam de vez em quando a comunidade acadêmica, quando se descobre que a pesquisa do Professor Tal foi falsificada para corresponder aos resultados de sua hipótese. O sujeito mexe uma vírgula pra cá, adiciona um zero onde ele estava faltando, valoriza resultados próximos ao que ele esperava, descarta resultados incômodos... 

Se isto se faz no vigiadíssimo e desconfiado ambiente científico, o que dizer do ambiente místico-esotérico, onde os mecanismos de vigilância são meramente espirituais?

Não sou um grande leitor, mas sou um bom folheador de livros. Quando eu tinha dez anos estava tentando ler Guerra e Paz de Tolstoi, porque eu gostava de qualquer história que contivesse batalhas, espaldeiradas e tiroteios. 

Não li o livro até hoje, mas lembro que a edição brasileira daquela época era em dois volumes – eu imaginava que o primeiro descrevia a guerra, o segundo a paz. 

A certa altura, havia algumas páginas cheias de cálculos numéricos que me chamaram a atenção. O personagem Pierre Bezukhov (ou “Bésuhoff”, na grafia francesa) está se divertindo com cálculos numerológicos para descobrir quem será, naquela época belicosa de princípios do século 19, a Besta do Apocalipse.

Pierre pega uma tabela de correspondências alfanuméricas (A=1, B=2, etc., e em seguida K=20, L=30, M=40 – algo assim). E começa a escrever nomes próprios e somar seus valores numéricos, para ver se acha 666, que, como sabe até quem não leu a Bíblia, é o número da Besta. 

Pierre é um cara culto e usa o idioma culto da época, que é francês. E a certa altura ele escreve: “L’Empereur Napoléon”, soma os números... e obtém 666. Aquilo lhe dá um calafrio de descoberta e de premonição, porque a Rússia está justamente em guerra contra o imperador francês.

Ele imagina (se bem me lembro) que o povo ou a pessoa destinada a derrotar Napoleão deverá ter uma soma numérica equivalente. Repete o cálculo com seu próprio nome, mas a soma é muito grande ou muito pequena. 

Depois de tentar algumas combinações, ele tenta: “Le russe Bésuhoff”, e o resultado é 671. Uma diferença de 5 pontos a mais sobre o resultado pretendido. Ora, 5 é o valor da letra “E”, que havia sofrido elisão na expressão “l’empereur”. Quando ele refaz o processo, mesmo violando as regras da gramática, a expressão “L’russe Bésuhoff” soma 666. E ele considera isto uma prova de que seu destino é derrotar a Besta.

Esta é uma típica experiência em que o experimentador vai tentando incontáveis coisas e descartando todos os resultados que não lhe interessam. 

E quando obtém um resultado parcialmente interessante, ele faz pequenas adaptações pouco ortodoxas até que “a conta feche sem deixar resto”. 

(Este artigo não tem como tema a Bíblia, o Apocalipse, as Guerras Napoleônicas ou a obra de Tolstoi; o tema deste artigo é: “Quando alguém, mesmo um cientista, precisa muito encontrar um resultado, acaba convencendo a si próprio de que encontrou”.)






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